Não tinha as dimensões de uma Dancerteria nem, de todo, o cocktail de ricos e famosos (e consequente cobertura mediática) de um Studio 54, mas o pequeno Blitz, na Londres da viragem dos setentas para os oitentas, foi também um importante epicentro de acontecimentos. Perante uma cena noturna pouco convidativa (e por vezes violenta) que caracterizava o panorama londrino de finais dos setentas, dois jovens agitadores resolveram arregaçar mangas e propor algo diferente. Um deles, londrino de gema, Rusty Egan, era baterista (com passagem recente pelos Rich Kids), o outro, que ao primeiro pedia muitas vezes por um sofá para dormir, adotara o nome Steve Strange, era galês, tinha chegado à grande cidade criando um curto sismo numa banda que durara um só concerto e trabalhava numa boutique. Depois de uma primeira vida num pequeno bar no Soho (o Billy’s), a festa semanal que ambos haviam criado com a música (e a imagem) de Bowie como referência, conquistara um público fiel. Tanto que o dono do bar resolveu duplicar o preço das bebidas. Resultado: a festa mudou de poiso e encontrou nova casa num outro bar, também não muito grande, numa zona que então estava vazia de gente: Covent Garden (quem diria…). Com casa no Blitz (nome que, tal como a decoração do bar, carregava memórias dos tempos da II Guerra Mundial), com Rusty Egan como DJ e Steve Strange na porta, deixando apenas entrar quem se apresentasse com Look criativo (e ficou célebre a noite em que barrou a entrada a Mick Jagger), as “Bowie Nights” geraram um fenómeno que atraiu a imprensa musical (a recentemente fundada “The Face” estava atenta), servindo de berço a novos projetos na música e chegando mesmo a cativar o próprio Bowie que ali foi procurar figurantes para o televisivo de “Ashes To Ashes”, entre eles, Steve Strange. Num ponto em que se cruzavam a música (sob uma visão com alma desafiante, com evidente presença das emergentes novas electrónicas), a moda, a cultura queer, as noites que movimentavam o Blitz foram sede de um movimento que, apesar de ter sido pontualmente descrito na imprensa como “the cult with no name” ou, depois, “new romantic”, acabaria por ficar registado na história da cultura pop também com designação definida pelo próprio nome do bar, tantas que foram desde então as ocasiões em que os que frequentavam o lugar têm sido referidos como “Blitz Kids”. Boy George (que trabalhava no bengaleiro), Marilyn, Sade Adu, Midge Ure, Tony Hadley, Siobhan Fahey (que pouco depois integraria as Bananarama) ou Martin Degville (mais adiante vocalista dos Sigue Sigue Sputnik) eram presenças habituais…
Se por um lado estas célebres noites serviram de berço aos Spandau Ballet (que ali se apresentaram pela primeira vez), ajudaram a encontrar uma rota para a segunda formação dos Ultravox e tiveram nos Visage (na origem um desafio de escrita de canções lançado por Rusty Egan e Midge Ure, chamando depois a voz de Steve Strange), a alma musical no Blitz eram os discos que Rusty Egan cruzava na cabine de DJ. Partindo da coleção de singles de um amigo, juntando promos que recolhia entre as editoras e outros que trouxe de uma viagem à Alemanha, a banda sonora que servia estes momentos noturnos de fuga, pose e cor não só traduziam ecos de tempos de transformação que emergiam com a assimilação das electrónicas por novos artistas e bandas, acabando mesmo por ajudar a moldar caminhos novos para a música pop da alvorada dos oitentas. Documentar o que ali acontecia é o objetivo primordial de “Blitzed”, uma compilação, coordenada pelo próprio Rusty Egan, que agora reune em 4 CD uma coleção de 70 temas que nos fazem viajar no tempo para tentar imaginar o que ali acontecia.
Apesar da ausência de Bowie (possivelmente por questões de cedência de direitos), estão ali discos que de facto se escutavam naquelas noites entre 1979 e 80. Estão aqui talentos emergentes de uma nova ordem pop (Human League, Ultravox, OMD, Japan, Spandau Ballet, Tubeway Army, John Foxx, Yello, Simple Minds, Landscape The Normal), uma seleção requintada de ‘disco’ (Amanda Lear, Grace Jones, Blondie, Cerrone, Jeff Wayne, M), referências em tempo de afirmação de um novo panorama nascido em clima pós-punk (Magazine, The Cure, The Slits Joy Division, Pretenders), visionários nas franjas mais exploratórias (Cabaret Voltaire, Faz Gadget, Throbbing Gistle, Suicide, Eno Rodelius e Moebius), bandas e artistas vindos do outro lado do Canal da Mancha (Telex, Taxi-Girl, La Dusseldorf, Wolfgang Riechmann), figuras tutelares (Iggy Pop, Kraftwerk, Roxy Music, Sparks, Walker Brothers, Lou Reed, Vangelis, Giorgoio Moroder, Lulu a cantar Bowie), além dos próprios Visage… E a estes juntamos nomes e canções que, em muitos casos, o tempo quase esqueceu, mas que ajudam a contar esta história, na verdade alguns deles justificando o importante papel “arqueológico” deste tipo de edições de arquivo. Entre eles estão uns Dalek I Love You (por onde chegou a passar Andy McCluskey), Lori & The Chameleons (onde estava o futuro KLF Bill Drummond) ou os Cowboys International (por cujas formações passaram músicos ligados aos PIL, Adam & The Ants ou Generation X).