A renovação do “Programa da Manhã“, com Ricardo Soares e Frederico Moreno, trouxe uma série de novos espaços diários à Antena 1. Um deles intitula-se “A Virtude do Meio” e conta com a moderação da jornalista Rosário Lira, com a seguinte premissa: mesmo que polarizado, o mundo não pode ou não deve ser só preto ou branco.
Um par de vozes que escutamos habitualmente na Antena 1 — o crítico João Gobern (“As Regras da Atração”) e a historiadora Raquel Varela (“Efeito Borboleta”) — juntam-se a Mafalda Anjos, diretora da revista Visão, e Manuel Falcão, figura emblemática do jornalismo nacional. A cada dia, pelas 8h40, dois dos membros do painel conversam com Rosário Lira a propósito de um tema relevante.
Os quatro comentadores respondem às perguntas da rádio pública, a propósito do confronto de ideias e dos desafios inerentes a fazer rádio.
De que forma se prepara para cada edição desta rubrica?
João Gobern: Depende da familiaridade com os temas, que são – e ainda bem – muito diversos. Mas, por regra, a pesquisa é feita em livros, estudos, jornais e revistas. Além da memória e da procura de algum bom senso.
Mafalda Anjos: Como diretora da Visão, acompanho naturalmente a par e passo os temas da atualidade. Mas para esta rubrica de rádio, que se pretende incisiva, procuro encontrar um ponto de vista que interesse aos ouvintes – uma ideia original que seja pensada, filtrada e condensada.
Manuel Falcão: Normalmente de véspera, com uma pesquisa sobre o tema escolhido, pesquisa mais focada em obter dados que possam contribuir para contextualizar a minha opinião. Procuro sempre uma intervenção mais factual e outra mais opinativa. Na manhã do programa dou uma ultima vista de olhos para perceber se houve alguma alteração durante a noite.
Raquel Varela: Procuro ir estudando os temas gerais com leituras de fundo, leio quando tenho acesso e consigo artigos científicos ou analíticos, procuro conversar com colegas e ouvi-los quando são temas que eles dominam, e eu não.
O título deste programa é algo que procura na sua reflexão sobre os vários temas da atualidade? Como se consegue a conciliação sem a cedência?
João Gobern: Começo pelo fim – a “cedência” não se aplica, num formato destes, e a “conciliação” terá que ser feita, em caso disso, por quem ouve. Quanto ao título, gosto da ideia e da prática do equilíbrio, mas pretende-se – e daí a escolha do elenco pela Antena 1 – contar com quem tem ideias próprias, de preferência vincadas e fundamentadas.
Mafalda Anjos: Concordo muito com a ideia de Aristóteles de que a virtude, na grande maioria dos casos, está mesmo no meio, entre dois extremos. Sobretudo num tempo, como o atual, em que são extremistas contra extremistas e todos contra os moderados. A moderação, a conciliação e o equilíbrio estão em vias de extinção, mas fazem mais falta do que nunca.
Manuel Falcão: Sim, tento encontrar alguma coisa que possa ser território comum – nem sempre é possível e depende também do que imagino que o outro protagonista do dia possa dizer. Em casos raros tenho mesmo que quebrar o consenso, mas geralmente procuro argumentos que, pelo menos possam ser analisados por quem nos ouve.
Raquel Varela: Acho que o segredo é usar o quotidiano para debater o modo de vida e organização social e política e vice versa. E debater ideias, com diferenças claras, e não pessoas.
Ser comentador num formato curto de rádio: que desafios encontra e que aspetos lhe agradam mais?
João Gobern: Para mim, habituado a entrevistas e a crónicas “sem contraditório”, é um enorme desafio ser rápido e assertivo, sem resvalar para o sound byte. Gosto de quem me ajude a pensar – e não de quem tente pensar por mim – e é nessa direcção que tento seguir. Agrada-me a necessidade de ter que me manter atento e actualizado. E gosto, como tem acontecido, de aprender todos os dias com os meus parceiros (Raquel Varela, Mafalda Anjos e Manuel Falcão) e com a moderadora (Rosário Lira).
Mafalda Anjos: Para uma pessoa da escrita, habituada a milhares de carateres, passar ideias num minuto e meio é um desafio. Obriga-nos a purgar os excessos e as gorduras e a concentrar a mensagem no essencial. Tenho gostado muito: é, aliás, uma aprendizagem útil para a vida, e não apenas para a comunicação oral.
Manuel Falcão: O desafio é conseguir a capacidade de síntese. Procuro que cada uma das intervenções que faço ande pelo minuto e meio. Com temas mais complexos nem sempre é fácil. O que me agrada, paradoxalmente, é também a rapidez do programa. É um bom formato para ouvir sem maçar o ouvinte e creio que funciona também em podcast.
Raquel Varela: A frase é atribuída a muitos, não sei de quem é: escrevo uma carta grande porque não tive tempo de escrever uma pequena. Ser interessante, e didático em 1 ou 2 minutos é um desafio quase impossível, é coisa para génios, poetas, vamos fazendo o melhor que podemos…