Material Girl, La Isla Bonita, Like a Prayer, Vogue, Frozen ou Hung Up: cada um destes êxitos corresponde a uma Madonna diferente. De década em década, de disco para disco, a rainha da pop multiplicou-se em sons, imagens e polémicas. Ao fim de 40 anos de carreira, quantas contamos?
Em jeito de homenagem, a Antena 1 propôs-se investigar a vida e a obra desta matriosca musical. Mas a música é apenas a ponta do véu — e aí está o verdadeiro desafio. Como conciliar uma das mais prósperas discografias de todos os tempos, por um lado, com todo o contexto sociopolítico que a envolve? Como falar de Like a Virgin, em 1984, sem aferir o fenómeno adolescente que Madonna provocou por todo o mundo, das urbes às zonas rurais — até em Portugal? Tudo isto está em Madonna: A Lei da Reinvenção, documentário com autoria e produção de Pedro João Santos, locução de Mónica Mendes e sonorização de César Martins.
A estratégia foi simples: para quatro décadas, quatro episódios. A primeira parte (Um Crucifixo na Pista de Dança) atravessa a infância e a adolescência de Madonna, que parte dos subúrbios de Detroit para abraçar as discotecas de Nova Iorque. Como se entrosa este processo com o disco sound, a contracultura punk, o estilo de David Bowie e a figura de Marilyn Monroe? Para responder a tudo isto, ouvimos os músicos Alex D’Alva Teixeira, Ana Bacalhau e Maria João, e os críticos Isilda Sanches, João Lopes e Nuno Galopim. Madonna, o álbum homónimo de 1982, e o sucessor Like a Virgin são os álbuns discutidos neste episódio, com canções como Holiday ou Material Girl.
No segundo capítulo (Exposição Indecente), avançamos para o período entre 1985 e 1990, com dois reforços ao painel: o DJ e produtor Luís Clara Gomes, conhecido por Moullinex, além do etnomusicólogo Marco Roque de Freitas. Madonna reforça o seu protagonismo na indústria pop, ao editar o álbum True Blue, sendo extraídos como singles os temas Papa Don’t Preach ou Open Your Heart — mas isso é apenas a ponta do véu. Esta é a fase em que a artista se aproxima do cinema de Hollywood, após protagonizar o filme Desesperadamente Procurando Susana (e este seriado percorre também os altos e baixos desta filmografia). Sobretudo, marca o momento em que começa a pôr a sua música ao serviço de causas como o sexo seguro e o antirracismo — mas nem assim podemos resumir Like a Prayer, título de álbum, canção e teledisco que encetam uma tempestade perfeita.
É em 1990 que começamos o terceiro episódio (Cabedal, Alumínio e Luz), no decurso de uma Blond Ambition Tour que faz manchetes por todo o globo. O êxito Vogue ilumina uma das maiores afinidades de Madonna: aquela que desenvolve desde cedo com a subcultura queer ou LGBT+. É posta em causa por acusações de aproveitamento, mas Erotica (1992) reforça esta ligação, num álbum em que a intimidade é tratada sem os pudores típicos dos anos 90 — assolados ainda pela crise de HIV/sida. Perante o sobressalto mediático desta era, Madonna desenha uma trajetória mais subtil, um plano tracejado pelo LP Bedtime Stories (1994) e pelo filme Evita (1996). Tudo culmina em 1998, com o álbum Ray of Light e o êxito Frozen, graças aos quais Madonna consegue o seu pico de aclamação.
A Lei da Reinvenção encerra, na quarta parte (Descosem-se os Lábios), com o século XXI: a primeira toada é de Music (2000), um sucesso que sinaliza a continuidade, mas não dura muito tempo. O álbum American Life, de 2003, gera uma das maiores controvérsias da carreira de Madonna, graças a um teledisco alusivo às atrocidades da guerra — seguindo-se uma impensável moderação de imagem. Confessions on a Dance Floor, propelido pelo tema Hung Up e a sua citação de Abba, faz com que 2005 seja novamente o ano de Madonna. Mas esse controlo torna a perder-se nos álbuns Hard Candy (2008), MDNA (2012) e Rebel Heart (2015), à busca de uma sintonia perdida com os topos das tabelas, mas também a braços com o idadismo — com que é atingida ao longo dos anos. E ainda há tempo, pois claro, para discutir a sua mudança para Lisboa e o disco que daí resulta, Madame X (2019), além da sua presença no TikTok.
Mil e uma Madonnas, temas que atravessam gerações, debates e polémicas cuja importância se continua a renovar com o passar dos anos. Sabíamos que não seria um desafio fácil… mas é isso que mais nos entusiasma — e Madonna poderia dizer o mesmo.