Há tradições que se repetem ano após ano. E uma delas, quando se aproxima o mês de dezembro, é a edição de discos com canções de Natal. É certo que a tradição de criar obras vocais para a quadra natalícia tem uma história antiga, sobretudo nos espaços da música religiosa. Mas foi sobretudo com a entrada em cena do LP (em vinil), em 1948, que a música popular resgatou para os seus domínios o protagonismo das atenções neste espaço. Já tinha havido sucessos discográficos antes da chegada do álbum em vinil. White Christmas, na voz de Bing Crosby, que se revelou um dos maiores clássicos da música de Natal, surgiu num disco de 78 rotações, em 1942. Mas o LP permitiu criar coleções temáticas de canções, tendo a década de 50 acolhido sobretudo edições de discos que foram reinventando, ao sabor das vozes (e identidades) de cada artista, os grandes standards da quadra. Datam de então discos como Merry Christmas, de Johnny Mathis (1958), A Jolly Christmas From Frank Sinatra, de Frank Sinatra (1957) ou Merry Christmas, de Bing Crosby (1957). Coube contudo a Elvis Presley, em 1957, a criação de Elvis’ Christmas Album, um disco de Natal que, a esta dimensão mais conservadora, juntava ténues (mesmo muito leves) sugestões da presença da cultura rock’n’roll que então conquistava atenções à escala global. O jazz, como o mostrou Ella Fitzerald em Ella Wishes You a Swinging Christmas (de 1960) marcou também cedo uma região demarcada dentro deste universo da criação discográfica. Data de 1965 A Charlie Brown Christmas, do Vince Guaraldi Trio, banda sonora de um especial televisivo focado nas personagens criadas por Peanuts que se revelaria uma das maiores contribuições do jazz para este universo.
Apesar da rebeldia da cultura pop/rock que emergira nos anos 50, as edições natalícias de artistas nascidos neste domínio mostravam sobretudo canções com afinidades estéticas para com uma noção mais “clássica” de música de Natal (sem dieta de trenós, renas e sininhos), temáticas natalícias que vincavam uma visão ocidental de hemisfério Norte (frio, neve e, claro, o Pai Natal) e imagens, nas capas, frequentemente vincando ambientes familiares. E entre os mais notáveis discos de Natal dos anos 60 estão títulos criados por nomes como os de Phil Spector (A Christmas Gift From Phil Spector, ainda hoje, uma referência maior neste domíno) ou os Beach Boys (The Beach Boys Christmas Album, de 1964). Os Beatles criaram, a cada ano de vida, discos de Natal votados aos subscritores do seu clube de fãs (e que recentemente foram reunidos numa caixa). James Brown foi então uma voz determinante para transportar, muito à sua maneira, estas temáticas para os domínios da soul, a si juntando-se depois vozes como as de Otis Redding ou, mais adiante, Stevie Wonder. Já Aretha Franklin seguiu a sua genética gospel quando depois chegou a hora de nos dar a ouvir Joy To The World. Datam também de finais dos anos 60 uma das mais marcantes entre as canções de Natal criadas entre entre nós. Natal dos Simples, de José Afonso, surgida no seu álbum de 1968, teve depois edição em single em 1970, aparecendo nesse mesmo ano esta canção, numa versão por Amália Rodrigues.
As décadas de 70 e 80 assistiram a um refreamento deste entusiasmo no plano da edição discográfico. Mesmo assim houve momentos inesquecíveis, como por exemplo em Happy Xmas (War is Over), single de 1972 de John Lennon e Yoko Ono mas que vincava sobretudo um subtexto pacifista. O glam rock depois gerou êxitos de Natal com os T-Rex e os Slade. E até David Bowie entrou depois neste universo ao cantar, com Bing Crosby, uma versão de Little Drummer Boy num especial televisivo em 1978, surgindo depois a canção em single já na alvorada dos anos 80. Mesmo já sob uma erosão de atenções, o disco sound também não escapou ao gosto de criar discos de Natal. Que o digam os Boney M, que em 1978 editaram Mary’s Boy Child.
Quando já pouca gente (de dimensão mainstream, entenda-se) editava discos de Natal, o ano de 1984 criou três momentos de surpresa (todos eles curiosamente no formato de single), um deles com Do They Know It’s Christmas do colectivo Band Aid (que correspondeu à primeira etapa no processo que conduziria ao Live Aid alguns meses depois). Depois veio Last Christmas, dos Wham!. E ainda, sem intenções natalícias na canção, mas reconhecido como tal pelas imagens do respetivo teledisco, The Power of Love, dos Frankie Goes to Hollywood vincou mais ainda este reencontro nesse mesmo 1984. Houve depois, ainda nos anos 80, um EP de Natal dos Erasure. Os Pogues chamaram Kirsty MacColl para cantar Fairytale of New York. Queen e Bryan Adams somaram êxitos com canções de Natal. Eram casos pontuais, com continuidade nos anos 90 em edições de nomes de grande popularidade como os de Mariah Carey, Boyz II Men ou Backstreet Boys.
Mas é com a aproximação do milénio que o cenário volta a ganhar um fôlego semelhante ao que se vivera nos anos 50, sobretudo com edições de bandas e artistas do universo indie como os Low, Kritin Hersh, Bright Eyes ou Sufjan Stevens, mais adiante os Flaming Lips, Eels, Raveonettes, Julian Casablancas, The Knife, Calexico, Rufus Wainwright (e família), Saint Etienne, Erlend Oye ou os LCD Soundsystem. A eles juntaram-se figuras do plano mainstream, como N’Sync, Dido, Christina Aguilera, Pet Shop Boys ou John Legend. Entre nós David Fonseca destacou-se criando, ano após ano, versões de clássicos de Natal que depois reuniu num álbum temático. Um ano depois de Little Things dos Abba chegamos ao tempo presente, a um ano 2022 que nos deu discos de Natal como o recentemente lançado entre nós pelos Anjos ou o disco, com travo rock e country, que Chris Isaak editou há poucas semanas.
Texto de Nuno Galopim