Nascida neste dia, há 100 anos, na Fajã de Baixo (São Miguel, Açores), Natália de Oliveira Correia foi uma das personalidades mais proeminentes da cultura portuguesa da segunda metade do século XX. Iniciou a sua carreira aos 20 anos, no Rádio Clube Português, e notabilizou-se, numa vida cujos limites sempre extravasou, através do labor da escrita – foi poeta, dramaturga, romancista, ensaísta, jornalista, guionista, tradutora, editora, conferencista, antologista, cooperativista, deputada (e até mesmo anfitriã de um programa de televisão), entre outras facetas. Dotada de um soberbo talento oratório, destacou-se também, numa fase mais tardia, como deputada à Assembleia da República, onde esteve, entre 1980 e 1983, na bancada do PPD-PSD e depois, de 1987 a 1991, na do PRD.
Na linha de Teixeira de Pascoaes (o mago da montanha para Cesariny), Natália Correia entendia a poesia como profecia e o poeta como profeta. O arquétipo que mais lhe servia era o da pitonisa, e embora avessa a escolas literárias, bem ao jeito do seu carácter subversor e maior do que a vida, o “rótulo” que preferia era o de romântica. Na origem de toda a sua intervenção pública estava a sua “orgânica aversão” tanto à tirania como à submissão, exaltando a insubordinação de quem aspira a um ideal.
Como polo onde confluíam os espíritos boémios, livres e transgressivos, o seu Botequim foi um espaço onde se “conspirava” contra um regime político opressivo, mas, apesar da sua natureza multíplice, o essencial da sua vida residia, como a própria fazia questão de realçar, na sua obra literária, particularmente em O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, título sob o qual reuniu, pouco antes de morrer (com 69 anos), toda a sua obra poética. Foi a escritora com mais obras censuradas pelo regime salazarista e, apesar de grande pensadora e prosadora, é sem dúvida “na poesia que se revela completamente, nela projetando erotismo, ânsia libertária, desafio iconoclástico, sentido do fantástico, tudo isto com alguns ecos românticos e acentuadas marcas surrealistas”, como sublinhou Luciano Reis em O Grande Livro do Espetáculo – Personalidades Artísticas do Século XX, Vol. 1.
Texto de Nuno Camacho
No centenário do seu nascimento, a Antena 1 celebra a vida e a obra de Natália Correia com uma operação que se estende pela emissão de hoje e que conta com vários momentos especiais. Entre fragmentos de entrevistas e intervenções políticas, haverá lugar para escutar alguns poemas ditos pela escritora e por outros, assim como para ouvir poemas seus musicados pelo compositor Renato Júnior e interpretados por nomes como Mia Tomé, Viviane, Rita Redshoes ou Ana Bacalhau.
Haverá também oportunidade para relembrar uma entrevista da escritora a Maria José Mauperrin no programa Café Concerto sobre o que é a cultura e a função da política na sua preservação. A fechar o dia de emissão da Antena 1, poderemos ainda escutar o concerto Natália 100, que teve lugar na Aula Magna, em Lisboa, em novembro do ano passado, e onde foi apresentado pela primeira vez o álbum Natália é Quando Uma Mulher Quiser, no qual algumas das melhores vozes nacionais cantam alguns poemas emblemáticos de Natália Correia musicados pelo compositor Renato Júnior.