1.
Rui Pedro desapareceu há 25 anos.
O país acompanhou a história e depois a história, a pouco e pouco, deixou de ser contada.
Mas Filomena é uma mãe coragem, uma mulher que tem no rosto as marcas de um sofrimento que não imaginamos; como se cada ruga e cada vinco fosse mais do que uma ruga e um vinco.
Filomena é o símbolo do amor de todas as mães, mas também de toda a inquietação e medo de que alguma coisa possa acontecer aos filhos. Cada mãe vê em Filomena a hipótese de um dia lhe poder acontecer o mesmo.
2.
O pequeno Rui, criança eterna, desapareceu de Lousada há 25 anos.
Tinha 12 anos.
A família ficou destroçada.
A Filomena, o Manuel e a pequena Carina, dois anos mais nova do que o irmão.
Sabes que é hoje médica?
Sabes que conseguiu fazer das sombras o motivo para avançar? Que cada dificuldade, cada lágrima em casa, cada grito de desespero foi força e incentivo para não falhar, para não desiludir, para fazer com que os seus pais se orgulhassem, para os compensar um bocadinho que fosse?
3.
E quero falar-te do Manuel.
O marido de Filomena.
O pai de Rui Pedro.
O Manuel que se manteve discreto e silencioso, um silêncio que permitiu que fosse tábua de salvação e amparo para Filomena e Carina, um silêncio de tristeza funda, uma tristeza que nunca conseguirá expulsar do seu corpo.
É mobilizado ainda assim pela força da vida. Mobilizado pelo orgulho na sua princesa Carina. Mobilizado pelo amor que sente por Filomena desde que a conheceu, tinha ela 18 anos. Talvez tenha sido num baile que juntava as aldeias de Boim e Nespereira ou talvez noutro lado qualquer, não sei.
O Manuel trabalhava com o pai no talho e a Filomena estudava. Ao longo dos anos foi abrindo mais talhos, fez do trabalho uma tábua de salvação.
E amparou a Filomena incapaz, depois do desaparecimento de Rui Pedro, de continuar a trabalhar.
Com uma família de muitos irmãos que o apoiaram e estiveram para o que fosse preciso.
Continuam juntos.
E será para sempre, como a esperança de que um milagre seja possível.
Como a felicidade que sentem pela filha, a forte Carina que um dia gostaria de abraçar.
Assim como a Filomena, mãe coragem.
E o Manuel que verei este sábado em Lousada.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.