1.
O caso do rapaz português de 17 anos que, a partir de casa dos seus pais, era mentor e líder de um grupo que inspirava jovens a matar, fez-me pensar.
Um rapaz antissocial, mau aluno e solitário, mas sem nunca ter cometido crimes ou sido violento. Aparentemente, era apenas mais um miúdo viciado no telemóvel e nos computadores, alheio à vida real, absorto do seu futuro.
Um rapaz que vivia nos arredores do Porto, numa família que se fazia ao trabalho todas as manhãs, que o deixava livre e desconhecia os seus passos. Ia à escola profissional, tinha chave de casa, não saia à noite, não era (felizmente para os pais) um caso de maior preocupação, não consumia drogas, não tinha más companhias, nada de verdadeiramente preocupante.
2.
Consigo imaginar que os pais o chateassem para ter aproveitamento, para se fazer à vida, para aproveitar a sua inteligência, para sair mais e procurar uma namorada.
Consigo imaginar o espanto do pai e da mãe ao perceberem que o seu menino era, afinal, um monstro.
Frio, implacável, metódico, amoral.
A partir de uma casa remediada construiu um exército de gente que instruiu, sem nunca os ver pessoalmente, a cometer os mais hediondos crimes.
Um massacre numa escola no Brasil com uma criança de 15 anos a matar uma miúda de 17 com um tiro na cabeça.
Matança de animais com requintes de perversidade.
Preparação da tortura e execução de um sem-abrigo com os conteúdos a poderem ser consumidos em direto em troca de dinheiro.
Vários professores e alunos com a cabeça a prémio.
Pornografia infantil vendida.
O rapaz está preso e aguarda julgamento, é possível que leve a pena máxima, 25 anos.
3.
Que mundo é este?
E o que nós podemos fazer para não sermos surpreendidos um dia com uma tragédia qualquer?
Na verdade, não sabemos o que os nossos filhos fazem ao telemóvel. Não sabemos com quem falam, que notícias consomem, que sites frequentam.
São nossos filhos, confiamos que o “mal” nunca está perto. Porém, o “mal” não é um exclusivo do que nos transcende, pode ser nosso vizinho, pode tocar-nos.
O que fazer com os nossos filhos e netos?
O que fazer com os que ainda não nasceram?
Esta tragédia prova que um miúdo pode traficar o “mal” sem sair do quarto de casa. E pode ser contaminado com o “mal” e agir em nome de qualquer coisa que não entendemos.
Muitos miúdos já não têm noção do que é real. O real é uma emanação do virtual, as notícias falsas são verdadeiras, as séries são a realidade e esta uma enorme chatice.
Um dia um psiquiatra muito meu amigo contou-me de um rapaz que se cortava. Um jovem que consumia imagens na internet de jovens que se mutilavam, ficava horas a vê-los. O médico perguntou-lhe porquê. E o miúdo respondeu que era a forma de se sentir menos isolado, de sentir que outras pessoas eram como ele.
Tudo está ligado.
E está a fazer-se tarde.
Texto e programa de Luís Osório
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