Há um equivalente, na década de 70, à sequência rara e de excelência que, nos oitentas, Prince apresentou nos álbuns que editou entre “1999” (de 1982) e “Lovesexy” (1988). Apesar de ser aquele um tempo dominado por nomes como os Pink Floyd, Led Zeppelin, Eagles ou Elton John, com os Fleetwood Mac, Bee Gees ou os Abba a somar casos de sucesso sobretudo na segunda metade da década, coube a Stevie Wonder ser não também um importante vulto a ter em conta no departamento das vendas, como a ele se pode atribuir a mais impressionante sucessão de grandes álbuns que criou por aqueles tempos, todos eles merecedores de notas máximas (e com aclamação crítica de facto obtida logo por ocasião dos respetivos lançamentos. A série que define o período clássico de Stevie Wonder arranca em “Music of My Mind” (1972), disco que representa o primeiro criado sob um novo acordo com a Motown, editora para quem havia somado uma sucessão de títulos desde a sua estreia, dez anos, com apenas 12 de idade, então como o promissor Little Stevie… A esse álbum de 1972, que acrescentara à sua música um novo polo de interesse (os sintetizadores), Stevie Wonder fez suceder os ainda mais marcantes “Talking Book” (ainda em 1972) e “Innervisions” (1973), que reforçaram um estatuto que o afastara dos caminhos outrora seguidos como estrela juvenil. E assim, chegado a 1974, eis que, sob pleno comando das operações (algo que, na verdade, já sucedia desde “Signed, Sealed & Delivered “, de 1970), arregaçou mangas para juntar a essa série de lançamentos um álbum que o levaria não só ao número um nos EUA como a arrebatar, já em 1975, o segundo de três Grammys que, por estes dias, conquistou na categoria de Álbum do Ano. De resto, é frequente ser recordado o facto de, em 1976, ao receber o prémio nesta mesma categoria com “Still Crazy After All These Years”, Paul Simon ter agradecido a Stevie Wonder o facto de, em 75, não ter editado nenhum novo álbum…
O que Stevie Wonder então procurava, ao criar o disco a que chamou “Fulfillingness’ First Finale” era, apesar do ciclo de evolução em continuidade face ao que vinha a fazer desde 1972, um desvio pontual para territórios mais pessoais e, muitas vezes, reflexivos, características que são sublinhadas no sublime “They Won’t Go When I Go”, talvez a mais arrepiantes das composições deste álbum que, anos depois, conheceria brilhante nova interpretação na voz de George Michael no seu “Listen Without Prejudice – Vol 1”. O mergulho mais “íntimo” não se traduz aqui, todavia, numa valorização da melancolia em detrimento do apelo rítmico, sugerindo sobretudo o disco um desejo em expressar visões pessoais em várias frentes, sobretudo ao abordar emoções, não deixando o disco de olhar para o tempo social e político, mesmo que sem a presença mais marcada verificada no imediatamente anterior. É disso evidente a reflexão sobre o estado da administração Nixon (então a caminhar para o fim) em “You Have Done Nothing”, canção de alma funk escolhida como single de apresentação de um álbum que teve ainda outro importante momento de comunicação no festivo “Boogie On Reggae Woman”, canção marcada pelas electrónicas. De alinhamento marcado pela diversidade de caminhos seguidos, rico nos arranjos e excelência nas performances, contando com colaborações pontuais (de Paul Anka a Deniece Williams, de Sérgio Mendes aos Jackson 5), “Fulfillingness’ First Finale” é, mesmo sem guardar em si uma canção daquelas de “Top 10” das mais “conhecidas” de Stevie Wonder, um dos seus melhores episódios discográficos, na verdade preparando o caminho para a obra ainda maior que surgiria, dois anos depois, em “Songs In The Key Of Life” (1976). Ao evocar “Fulfillingness’ First Finale” vale ainda a pena sublinhar que traduz ainda um tempo de franca evolução nos caminhos da música soul e da própria editora Motown que, além do papel de Stevie Wonder neste processo muito deve também ao esforço do seu contemporâneo Marvin Gaye, cujo “What’s Going On”, de 1971, representa o momento de viragem que então abriu possibilidades novas a todo este universo.