A Folha de São Paulo desta sexta-feira gritava que a taxonomia, a ciência que estuda novas espécies, corre riscos de extinção. As coisas não estão fáceis para os sobrevenientes de Aristóteles de quem a crónica reza que foi o primeiro a classificar os seres vivos. Teofrasto, um seu aluno que presidiu à escola peripatética e a quem o mestre deixou em herança a biblioteca, organizou fichas de 480 plantas, nelas incluindo o açafrão e o narciso. Deixou Teofrasto vastíssima obra cobrindo áreas dispersas: um livro sobre os ventos, outro sobre a velhice, outros sobre as pedras, as pestilências, um sobre o prazer, outro sobre os animais que vivem em esconderijos, outros sobre a fadiga, os cabelos, o desmaio, dez livros sobre as pesquisas botânicas e não posso ficar aqui a manhã toda às voltas com títulos de livros que nunca li. Sei que estas são águas em que Garcia d’Orta se banhou e que Jorge Paiva e Maria de Fátima Silva traduziram e anotaram a Causa das Plantas de Teofrasto para a Imprensa da Universidade de Coimbra e pouco mais. Mas um dia perguntarei pelo grego a Miguel de Carvalho, poeta, editor e guardião de livros antigos. Ou ao magnífico professor Fiolhais.
A imagem que ilustra a peça da Folha de São Paulo mostra-nos um peixe que pode rastrear as presas sem enxergá-las, usando uma espécie de pernas com poderes de língua. Um peixe com pequenas pernas providas de papilas gustativas com as quais saboreia a comida tacteada nos fundos arenosos. A descoberta é de agora.
Teofrasto teria aberto, com esta novidade, um capítulo muito saboroso. Mas em que disciplina incorporaria tão surpreendentes descobertas? E em que livro as guardaria? Num dos sete sobre Os Animais, naquele que dedicou às Sensações, ou naquele outro sobre o mar, ou num outro que trata dos Sucos, ou ainda naquele em que aborda o falso prazer? Imagino Teofrasto conversando, no jardim botânico de Coimbra, com Jorge Paiva. Jorge Paiva conta-lhe histórias da Amazónia. Está Lineu anotando. Puro esplendor peripatético.
Puxo Lineu pelo braço para a roda da conversa e lembro-me que Strindberg se lhe referiu como um poeta que “por acaso, se transformou em naturalista”. Será esse o calcanhar de Aquiles que, nestes tempos dados à velocidade e ao charme da IA, compromete a viabilidade de um ofício como o de taxonomista?
A torneira de água fria tinha sido aberta há uns tempos. Já lá vão dez anos, o investigador Rubim Almeida, do departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, referia um estudo feito no Reino Unido confirmando a falta de 500 taxonomistas, não obstante a disciplina ser, por muitos, considerada fora de moda. Rubim Almeida fazia uma pergunta na qual vislumbrei uma ironia magoada: será que a taxonomia ainda é necessária? Irrompe das fundas areias do mar um peixe desconhecido cujas pernas saboreiam a comida. Quem responde ao professor Rubim?