Sempre que passo por Abrantes estaciono o carro o mais perto possível do magnífico Museu Ibérico de Arqueologia e Arte que trouxe nova vida a parte significativa do antigo convento de São Domingos e dou uma volta pelas ruas da velha urbe, já não me atrevendo a subir até ao jardim do castelo ou a galgar a ladeira dos Quinchosos, cujo nome sempre me delicia. Claro que me abasteço de palha de Abrantes e, entretanto, sento-me num daqueles bancos à volta da árvore, no Jardim da República. Não percam de ouvido esta imagem de um círculo de bancos de jardim em redor de uma árvore, enquanto puxo o fio que aqui me traz.
Ontem, ao fim da noite encontrei no jornal digital Médio Tejo a notícia de que a câmara da “cidade florida” retoma, por estes dias, uma velha tradição novembrina, espalhando pelas ruas mais de 500 vasos de crisântemos. A jornalista Paula Morato explica que a tradição dos crisântemos foi iniciada pelo mestre jardineiro Simão Vieira que, em meados dos anos 30, expôs dezenas de variedades da “flor de ouro” no jardim do castelo. Já não eram horas de ligar ao meu querido amigo Francisco Lopes a saber mais sobre este mestre jardineiro que se reformou nos anos 70, mas fica o nome de Simão atrás da orelha enquanto não me chega, do historiador amigo, aconchego bibliográfico sobre o homem que imagino a falar com as criaturas vegetais, envasadas ou não.
Mestre Simão criou cruzamentos felizes de crisântemos. Para ele, a flor estimada dos abrantinos não exalava perfume de partida, de adeus fúnebre, como J’arrive, a canção triste de Brel. Não sei se há em Abrantes uma rua com o nome de Simão Vieira, se houver aplaudo, se não houver tomai nota, senhores da toponímia local e, já agora, não hesiteis em replicar os bons ofícios da ribatejana Moita que tem uma Praceta dos Crisântemos.
Simão Vieira teria gostado de conversar com o escritor alemão autor do best-seller “A Vida Secreta das Árvores”. Ele afirmou há uns anos, numa entrevista, a convicção de que as árvores têm sentimentos, comunicam entre si usando aquilo que classificou como “uma internet subterrânea”. Esse escritor, cujo nome não me ocorre pronunciar por escapar excessivamente à raiz latina, invocou uma experiência científica realizada em África provando que as acácias libertam um produto químico quando as girafas começam a comê-las. Ele acredita que as árvores são muito parecidas com os humanos e que até se apaixonam.
O mestre jardineiro Simão Vieira já não pode sentar-se num destes bancos do jardim da República rodeando a árvore que talvez seja um cedro dos Himalaias, talvez uma tília, aquela espécie perfumada cuja madeira é ideal para a construção das guitarras Fender.
Peço ao meu amigo Francisco Lopes, historiador de Abrantes, que me perdoe a talvez infrutífera tentativa de identificação de uma árvore cercada de bancos num jardim tranquilo. Certeza firme não tenho senão aquela de que em frente à biblioteca há uma pimenteira bastarda. Mas, sim, quando me sento num dos bancos em círculo, virado para a árvore que não sei identificar com segurança, acredito que ela me estará dirigindo um gesto amável. E acredito que os crisântemos agora espalhados pela cidade são uma flor de acolhimento e não de despedida, como os da canção de Brel.