1.
Em Aveiro, na apresentação do livro “Postal do Dia”, uma senhora esperou por mim até ao final de uma longa sessão de autógrafos.
A Maria João tinha vários exemplares para oferecer no Natal à família mais próxima.
Agradeci e fui falando com ela enquanto dedicava os livros aos filhos, aos pais, aos sobrinhos.
2.
No final demos um abraço e a Maria João deixou uma última frase que me atingiu num qualquer lugar profundo e quase inabitado.
“Neste Natal o Luís estará muito bem representado na nossa árvore. Todos gostamos muito de si e o livro é a melhor das prendas para se ter neste sapatinho”.
Não foi exatamente assim que ela disse, mas o sentido era esse.
Ao chegar ao hotel, passava já da meia-noite, as suas palavras foram amplificadas pelo meu cansaço.
Chorei vários minutos e decidi escrever este postal de quase Natal.
3.
O meu livro, o nosso “Postal do Dia”, estar na tua árvore…
…e na de tantas pessoas que não conheço pessoalmente…
…obriga-me a regressar aos tempos de criança quando o Natal era bonito, mas pesado.
Luminoso, mas sombrio.
Familiar, mas solitário.
Só muito tarde na infância tivemos a nossa primeira Árvore de Natal. Teria talvez oito anos e lembro-me da alegria de ver as luzinhas a piscar durante todo o dia.
E as prendas arrumadas pela minha mãe à volta da árvore levaram-me a uma ansiedade que desconhecia.
Nunca recebera prendas assim embrulhadas.
4.
Tenho imensos filhos.
Quatro que são seis por que os de coração também contam.
E quando chega o Natal, mesmo quando não tenho muito dinheiro, o que acontece demasiadas vezes, nunca prescindo da árvore e das luzinhas a piscar 24 horas por dia.
As minhas pessoas próximas não imaginam o peso enorme do que me passa por dentro quando fico sozinho na sala a ver a
árvore piscar – cada luz é uma estrela, uma memória, um sofrimento, uma esperança.
5.
Foi por isso que chorei num frio hotel de Aveiro, completamente sozinho depois do carinho que tantos leitores me deram.
Do carinho da Maria João que me terá este ano na sua Árvore de Natal.
Não imagina o quanto isso me faz feliz, o quanto me responsabiliza e comove.
Se porventura abrires uma prenda em que esteja eu, por favor brinda às luzinhas de Natal que nos recordam, todos os anos, do tempo em que éramos crianças, do tempo em que tínhamos muito mais futuro do que passado, do tempo em que sonhávamos acordados com as prendas embrulhadas.
Brinda a isso e aos teus mortos.
Às pessoas que estão em ti, mais vivas do que nunca.
E a nós, claro.
Brinda a esta nossa ligação diária.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, YouTube e RTP Play.