1.
Na próxima semana entraremos no Natal.
Se estivermos bem, as luzes amplificarão o bem que estamos.
Se estivermos mal, acontecerá o contrário.
As nossas crianças estão numa azáfama e nós com elas, se estivermos bem voltaremos a ser como elas, a recordar a maravilha de não sermos adultos por umas horas.
Se estivermos mal, ficaremos a pensar no que perdemos, no que dificilmente tornaremos a encontrar.
2.
Este postal é para mim difícil.
Quero pedir desculpa a uma pessoa.
Escrevi que era uma mulher “pobre”, que ajudava apenas com fins caritativos por estar visivelmente obcecada com o seu Deus e a sua alma.
Escrevi também que era a corporização do terrível conceito do “pobrezinhos, mas honrados” e da “caridadezinha” do Estado Novo.
Ataquei-a pelas suas entrevistas, pela sua aparente frieza em relação aos que nada têm, pelo modo como criticava as pessoas que comiam um bife sem terem dinheiro para comer um bife ou um chocolate.
3.
Tudo me separa de Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome.
Somos diferentes, vimos de lugares diferentes, pensamos o mundo de maneira diferente.
Mas quero pedir-lhe desculpa.
Por existir uma diferença substancial entre os dois.
É que eu posso fazer bem o meu trabalho, oferecer às pessoas a minha escrita, as minhas palavras, não o desvalorizo.
Porém, a Isabel convocou a sua vida em função dos outros.
Pode ser tudo – caritativa, classista, arrogante –, pode até ser isso tudo, mas há milhares de pessoas que terão a sua mesa de Natal por causa dela.
Há milhares de portugueses que são ajudados todos os dias com o trabalho que ela faz.
Mães que têm leite para os bebés.
Crianças que podem continuar em casa dos pais porque a comida lhes chega através do Banco Alimentar.
Famílias inteiras que dependem das entregas de alimentos.
Associações, lares, redes de solidariedade social que ajudam dois milhões de pessoas em risco de pobreza com os alimentos recolhidos por milhares de voluntários que acreditam em Isabel Jonet e no seu exemplo.
4.
Quero pedir-lhe desculpa, Isabel.
Depois de refletir, depois de um ano a atrasar esta mensagem, preciso de o fazer publicamente.
Agradecer-lhe pela obra que construiu.
Pelas bocas que alimenta.
Por não desistir de o fazer.
5.
Por vezes somos todos demasiado teóricos. Falamos da grande política, da economia, da importância do Estado, criticamos este e aquele, batemos em quem não é como nós, mas depois fazemos pouco de concreto pelo outro, por quem precisa.
Era isto, um Bom-Natal para si.
E para os 40 mil voluntários que estiveram na primeira linha para que o Natal fosse Natal para tantos e tantas.