1.
Nunca me cruzei na vida com Manuela Moura Guedes.
Julgo que nunca falámos ao telefone.
Nunca a convidei para alguma coisa ou ela a mim.
E também nunca fui um fã – também nunca estive entre os que sempre a insultaram.
2.
Reconheço-a em primeiro lugar por ninguém ser como ela. Não é um elogio pequeno num tempo em que todos estamos um bocadinho parecidos uns com os outros.
Manuela é corajosa e um pouco justicialista.
Rompe limites e é violenta, crispada e em alguns momentos injusta, mas fala o que em cada momento acha que deve.
E se acredita na sua verdade é capaz de perseguir o seu alvo até ao inferno – foi talvez a primeira a pôr em causa José Sócrates e eu não acreditei nela quando o começou a fazer.
3.
Tenho saudades desse tempo, mas talvez não seja possível regressar a esse tempo.
Não conheço o nome dos meus vizinhos – e quando tentei inverter a lógica um deles olhou-me desconfiado.
Ninguém bate à porta para ver a bola ou a novela.
Nem os miúdos se conhecem, estamos todos protegidos na nossa solidão disfarçada de segurança.
Detestamos o cheiro a comida e antes o cheiro da comida era a prova de que estávamos acompanhados.
Não queremos a roupa a pingar do vizinho de cima. Não trocamos roupinhas de criança, não damos as chaves de casa para que alguém nos regue as plantas.
Não conheço a casa de nenhum dos meus vizinhos e nenhum deles entrou na minha.
Não sei se algum está doente, se precisa de desabafar, se tem sopa para o jantar ou se gosta de laranjas que comprei numa loja especial com produtos que vêm diretamente da terra.
4.
Não sabemos e não desejamos saber.
Se alguém me tocar à porta não farei o meu melhor sorriso.
E isso não é bonito e não me orgulha, mas eis uma coisa boa para tentar mudar em 2025.