Aquele braço direito estendido vai daqui a Marte. É o braço de um dos Quatro Cavaleiros da Idade de Ouro anunciada pelo novo Cronos. Os anotadores do instante fútil ficaram presos ao modo como um dos quatro, não o do braço estendido, nem aquele a quem chamam o Exterminador do Futuro, mas o outro, o dos cabelos encaracolados e revoltos, deitou o olho ao decote da mulher do Cavaleiro Careca.
Onde terá pousado, entretanto, as mais das vezes, o olhar da dama oculta na aba de um chapéu largo? Foi muito notado o seu rosto fechado, glacial, sob o chapéu azul marinho, com uma faixa branca. A dama de olhar escondido, lábios de mármore colados, tão longe do sorriso de Usha, permaneceu protegida pelo chapéu anti beijo. Mas o novo Cronos não parece ser muito dado a beijos. Ele está mais ocupado em perfurar, perfurar, perfurar.
Cronos, o negacionista salvo por Deus por uma orelha negra que agora anuncia uma idade de ouro, não pensa sequer na Europa, lugar irrelevante de ultrapassadas mitologias. Europa não lhe ocupou um instante do rol proclamatório. Não lhe ocorrerá, sequer por um instante, regressar a Hesíodo, mesmo se vem do grego a primeira descrição dos dias de fulgor da Era Dourada que reclama para o seu mandato. É outro o chão que interessa ao Grande Perfurador. Desvaloriza o facto de ter sido justamente na Era Dourada que Pandora abriu a caixa das desgraças.
Escolheu para o retrato oficial uma réplica da ficha de polícia. O medo é a sua estética.
Vemo-los e escutamo-los no Capitólio-Olimpo, temos de novo uma colina para subir, Amanda Gorman. É, de novo, a sombra interminável. As escrituras continuam a dizer-nos, como lembraste no teu poema de há quatro anos, que devemos imaginar-nos sentados debaixo da nossa própria vinha e da nossa figueira e que nada devemos recear.
Mas, como lembra hoje Pedro Norton, num texto admirável no Público, “há momentos na história em que temos obrigação de perceber que entrámos em águas desconhecidas”. Pedro Norton alerta-nos para a forte possibilidade não terem as democracias ferramentas que lhes permitam controlar os “novos poderes” decorrentes da “concentração quase ilimitada de riqueza” e do seu casamento com “um controlo hegemónico da tecnologia e da informação” sem precedentes.
A pergunta volta a ser aquela de outrora, Amanda: “como podemos vencer a catástrofe”?