1.
Conheci de perto a Casa de Saúde da Idanha.
Foi há uns vinte anos, o tempo passa demasiadamente depressa, mas não me esqueço de uma senhora que se esquecia de tudo.
Chamava-se Beatriz ou então Raquel, não interessa.
Já era velhinha quando a conheci. Estava internada naquela extraordinária casa gerida por freiras generosas e especializadas em acolhimento de mulheres com doenças mentais.
2.
A senhora fora diagnosticada com uma esquizofrenia e já fazia parte da mobília da Idanha. Infelizmente à sua terrível doença
acrescentara um Alzheimer agressivo que a retirara do convívio com o mundo.
Quando a vi pela primeira vez já não saía da sua prostração e deixara de reconhecer o que lhe restava de família ou as suas cuidadoras.
Costumava ficar numa sala que parecia de espera, mas sem esperar por coisa alguma.
Todos a tratavam bem, mas ela nunca reagia ao que lhe diziam e desaprendera de sorrir.
3.
Numa tarde igual a todas as outras, naquela espera sem espera, numa sala com a televisão sempre ligada, ouviu-se uma voz inconfundível.
A senhora que viajara da sua cabeça para um outro lugar, pareceu regressar ao mundo.
Olhou para a televisão, sorriu e disse:
“Júlio Isidro”.
4.
Chamei a enfermeira, creio que a Irmã Felicidade.
A freira agarrou-lhe na mão trémula.
Falou-lhe de Júlio Isidro, mas não obteve qualquer outra resposta.
Beatriz – ou seria Raquel? – sorriu mais uma vez. E esteve sempre atenta à televisão. Esteve até ao momento em que ele saiu.
A única pessoa reconhecida por uma velha mulher que já não reconhecia ninguém.
Júlio Isidro, disse ela.
E sorriu.
Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, YouTube e RTP Play.