Indaga Ventura, do liberal Rocha, em debate escalfado, um pingo doce e incontinente escorrendo do olhar conventual, o preço dos ovos.
Sabe você, Rocha, a quanto está a dúzia, a quanto a meia dúzia? É a pergunta armadilhada, pois entre ambos, a meias, nada, nicles, fazem um debate, não uma gemada.
Rocha não hesita, nem cuida de saber a origem do ovo, se o pôs galinha do campo ou de aviário, se flutua ou afunda na água.
Podia ter dito: “Dois euros e fique com o troco”. A vida custa a todos. Mas não vai por aí.
Dá resposta clara, enquanto o interlocutor molha o olhar na gema da cábula. E anota o peso das tarifas, outro modo de dizer impostos, dê cumprimentos ao seu amigo Trump…
Lança Ventura para a mesa milho retórico: Que Rocha só quer saber de cocktails no Príncipe Real, é mais Milei do que país real.
Nesse ínterim, a conversa não pede um tango tocado a motosserra.
Dentro da cabeça, memória de capoeiras, ovos mexidos, soou irresistível, o Ovo de Hermeto Pascoal: “Tem uma galinha que põe cem ovos por mês / só não consigo entender como põe três de cada vez”.
Algo me chama para outros lugares, para a “terra deserta” de que falou Mário Quintana, aquela onde “a última galinha põe o último ovo”. O anjo que deveria cuidar da Terra vem, pressuroso, e come-o, caindo redondo no chão. “Alguém, invisível, riu baixinho”.
A sondagem da noite acentua uma estranha sensação de que continuamos a pisar ovos.