1.
Não há nenhum vocalista como o Tim.
Tenho muitas saudades do Zé Pedro, um ícone com um sorriso maior, mas o Tim é a única figura que jamais poderia falhar nos Xutos e Pontapés.
A sua voz vem dos lugares onde se sofre.
Dos estaleiros, das fábricas, dos portos, dos subúrbios do punk e dos excluídos.
2.
Quando os Xutos lançaram o primeiro disco aquele miúdo alentejano foi voz dos que não tinham bilhete, dos que ficavam à porta de Lisboa ou do Porto, dos condenados a um destino sem esperança.
Naqueles primeiros anos, os Xutos compuseram “Esquadrão da Morte”, “Remar Remar”, “Mãe” ou “Morte Lenta”.
Naqueles primeiros concertos não estavam mesmo para brincadeiras – os seus espetáculos encheram pequenas salas e depois todas as outras. Tornaram-se mensageiros de um novo tempo, de uma nova música de intervenção.
3.
Tiveram muito sucesso.
Continuam a tê-lo.
É verdade que envelheceram, que se tornaram mais doces, que cantaram outro tipo de canções, que amaciaram.
Mas no essencial continuam os mesmos.
O Tim continua a o mesmo.
Acaba de fazer 65 anos, o que é incompreensível – não era suposto que nele a idade corresse.
A sua voz continua única.
Saída do fundo dos lugares sem eco.
4.
E o Tim podia estar a borrifar-se para as pessoas.
Podia deixar de aceitar ir a escolas, receber maquetes de miúdos, deixar de frequentar os lugares onde bandas tocam pela primeira vez. Ninguém lhe levaria a mal que dissesse que estava cansado.
Só que não.
O Tim continua a ir.
Há uns meses passei por ele quando entrava no Liceu Camões. Havia alunos à sua espera.
Autógrafos.
Abraços, promessas de acordes que lhe iam ser mostrados.
E ele lá estava.
Disponível, jovem, rocker.
Ainda o ouvi dizer – “Bora lá!”
Como se estivesse a começar a carreira.
Como se aqueles miúdos estivessem no mesmo degrau da mesma escadaria.
“Bora lá!”
Incrível e maravilhoso.
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