Há dias, nas voltas da estrada entre Vila Real e São Martinho de Anta, vi letreiros anunciando cerejas de Resende. Senti-me tentado, mas não parei. Será, este, já, o tempo delas, maduras e irresistíveis? E teriam sido, aquelas cerejas, assim oferecidas ao desprevenido viajante, de facto colhidas nos cerejais da margem direita do Douro? Perguntei a amigos, sugeriram que os dias não aqueceram ainda o bastante para que nos entreguemos, rendidos, ao apetecido fruto.
As cerejeiras, que explodem em flor antes de se embelezarem em lábios carmim, no reino da Gardunha, na dobra de Resende, nos tantos enclaves como o de Montes da Senhora, na zona do pinhal beirão mais chegado ao Tejo, são as árvores a que mais trepei durante a infância, nenhum outro fruto pede, como a cereja, que o apreciemos empoleirados num galho.
Num surpreendente livro de Carlos Steinwender, “Crónicas do meu jardim”, agora colhido pelas Edições Afrontamento, a infância do autor espairece num jardim com bichos, alguns improváveis, a lagartixa de Bocage, a carriça, o ouriço, o rato do campo de rabo curto, o estranho licranço, as aves cantantes, a rola turca, o mocho galego, o pisco de peito ruivo que ele tenta alcançar, imitando-lhe o trinado e convocando a indesejada curiosidade da vizinha Cesaltina, empoleirado numa cerejeira. Tão enfeitiçado pelo pisco de peito ruivo que nem lhe deu para um piquenique aéreo, só trinados empoleirados. É surpreendente a infância de um jardineiro de histórias.
Passei muitas horas observando, nas estradas mais ermas, a beleza estonteante das cerejeiras em flor, com menor cartaz turístico que aquele conquistado pela floração das amendoeiras. Não é justo esse desnível de apetecimento. Por isso me sinto tão tocado por um certo poema de Eugénio de Andrade, ele também nascido em pátria de cerejais. É o poema “A uma cerejeira em flor”, está no livro “As mãos e os frutos” e desafia-nos a “abrir os braços, acolher nos ramos / o vento, a luz, ou o que quer que seja: / sentir o tempo, fibra a fibra, / a tecer o coração de uma cereja”.
Mas a minha infância trepava às cerejeiras, não tanto pela beleza das árvores, mais pelos piqueniques secretos que elas me permitiam, no pequeno pomar de que meu pai cuidava como um jardineiro, enquanto reproduzia trinados das aves que pareciam visitá-lo.
Esta manhã, tanta a nostalgia provocada por um cartaz na berma de uma estrada secundária a norte, procurei cerejas maduras no noticiário regional. Colho esta notícia do jornal A Reconquista, de Castelo Branco: “O valor do leilão das primeiras cerejas do Fundão vai ajudar este ano a Liga Portuguesa contra o Cancro. É no dia 20.
Notícias destas fazem florir algo em nós