1.
Valter Varandas escreve nas suas redes sociais.
Assina pequenos textos e, em algum momento, teve a ambição de ser escritor – falo como se o desejo fosse passado, mas não conheço quase nada sobre ele, talvez Valter ainda o queira.
Quase nada é mesmo quase nada.
Sei que é fotógrafo.
Sei que é apaixonado por uma mulher muito bonita, a Inês.
Sei que gostam de dançar ao som de uma canção de Neil Young.
E sei que participou em cursos de escrita criativa.
Sei por fim que me enviou uma mensagem a contar uma história que agora não me sai da cabeça.
2.
Posso partilhar?
Há uns anos visitou a casa de um velho homem desesperado de tristeza.
Perdera o filho há poucos dias, o terceiro que via morrer.
Apenas um estava vivo.
O Valter sentiu a dor do homem e da sua mulher.
Os dois estavam na sala.
3.
Uns dias depois, no curso de escrita, escreveu um conto a partir do que sentira.
Imaginou que a “Morte” chegara para levar o homem que sofria.
Valter terminou assim o texto:
“Quando me vim embora, disse-lhes umas palavras que não tinham som. Saí sem fechar a porta. Não tive coragem de lhes fechar mais uma porta. Virei costas a olhar de frente e disse – Venha comigo senhor Alberto. E na pergunta de quem eu era, apenas respondi sem dizer
– Sou a Morte. No seu rosto, finalmente, um esboço de alivio e paz. A porta fechou-se com os dois lá dentro. A mulher soluçava no choro. Ele, sentado, de olhos fechados, tinha vindo comigo.”
4.
Tornou a casa do homem uns dias depois.
Bateu, mas ninguém abriu.
Um vizinho à janela informou-o que não estava ninguém, que o homem morrera precisamente no dia em que Valter Varandas tinha escrito o texto da “Morte”.
Tenho pensado nesta história.
Foi uma coincidência extraordinária ou a escrita pode ter este poder?
Caro Valter, pelo sim pelo não, evita voltar a colocar a Morte num texto teu. E se o fizeres não lhe peças, já agora, para me levar a mim.
Pelo menos para já.
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