1.
No dia 22 de julho de 2009 estava um calor insuportável, mas o primeiro-ministro, apesar do fato e da gravata, parecia fresco e feliz.
Perto de si, o ministro da Justiça ou o Presidente do Tribunal de Justiça ou mesmo o Procurador-Geral, aplaudiam o discurso e o descerramento da placa de inauguração.
O primeiro-ministro chamava-se José Sócrates.
Tinha 51 anos – mais novo do que eu sou agora.
E a inauguração era a do Campus de Justiça onde dezasseis anos depois está a ser julgado.
2.
Era o julgamento do ano, mas o tempo é implacável…
… é sempre implacável.
Apesar de no banco dos réus estar um ex-primeiro-ministro, algo de nunca visto, os portugueses preferiram na primeira semana seguir o julgamento que opõe os Anjos e Joana Marques ou a tragédia que vitimou Diogo Jota e o irmão.
O povo deixou de comentar Sócrates.
Fala dos picos de calor.
Do Almirante.
Da possibilidade de Viktor Gyokeres não sair do Sporting.
Ou da enfermeira assassina…
De Sócrates, menos.
Quase ninguém puxa o assunto nas tascas, nas redes, nos cabeleireiros.
3.
José Sócrates pode ter muito dinheiro – e acredito que o tem.
Mas olhamos para ele e percebemos que a sua vida está destruída.
Sentado na cadeira dos réus que ele próprio inaugurou, o ex-primeiro-ministro é uma sombra do que um dia foi, mas ainda assim é justo reconhecer a sua dureza, arrogância e determinação.
Nisso não mudou.
Enquanto ministro ou primeiro-ministro essas características levaram-nos a ser um reformista e reconhecidamente alguém que ameaçou poder vir a ser o governante mais importante da história democrática.
Mas enquanto acusado, nesta verdadeira travessia de inferno, nada nele ousadia de futuro – tudo é sobrevivência e passado.
Compreende-se, mas não deixa de fazer impressão.
4.
Sócrates é um homem acossado, feroz, desagradável, ressentido, egocêntrico, vaidoso, mal-educado.
Não apetece que saia dali ilibado.
Aliás, para a democracia, talvez seja decisivo que não saia sem que as acusações se confirmem – todas as hipóteses alternativas são piores.
Pode ser injusto para Sócrates, é de um homem que estamos a falar, mas se formos frios chegaremos a essa conclusão perversa.
Agora, se me perguntas sobre a sua inocência, respondo que não acredito.
Só que a questão é outra.
A questão é a de saber se, não sendo inocente, é culpado.
Porque uma coisa, num Estado de Direito, não é necessariamente a outra.
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