Quantas estreias cabem num mesmo percurso discográfico? A resposta pode variar e, no caso de Zé Ibarra, eis que chegamos à quarta e, talvez, a mais importante e pessoal de todas. Figura presente em alguns dos mais belos momentos que a música brasileira nos deu a escutar nos últimos anos, Zé Ibarra fez-se notar na banda Dônica, na qual partilhava, entre outros, o espaço com Tom Veloso ou Lucas Nunes, este último tendo com ele integrado também o quarteto Bala Desejo, aventura nascida em plena pandemia e entretanto dado como concluído. Entre as duas bandas lançou dois álbuns (um por cada uma), o primeiro dos quais “A Continuidade dos Parques” em 2015 (Dônica), o segundo correspondendo a “Sim Sim Sim” (Bala Desejo) em 2022, disco que mesmo longe de unânime representou a mais bela descendência recente de grandes escolas maiores da música no Brasil, do MPB à cena pop/rock que teve em Rita Lee a sua mais marcante timoneira. A estas duas estreias Zé Ibarra juntou em 2023 um primeiro disco em nome próprio. Chamou-lhe “Marquês 256” mas este não deixava de ser, como os Bala Desejo, um fruto dos dias de pandemia, recriando os momentos a solo que ele mesmo tinha apresentado nas escadas do seu próprio prédio, no bairro da Gávea (no Rio de Janeiro). Por esta altura já tinha angariado ao seu redor um rol de parceiros da nova geração da música brasileira, assim como tinha participado num disco de duetos com Gal Costa, cantado Caetano Veloso ou integrado a banda com a qual Milton Nascimento havia revistado na estrada o clássico “Clube da Esquina” (disco do qual levara “San Vicente” a “Marquês 256”).
As três estreias em disco tinham dado conta da versatilidade do músico, confirmaram um talento raro na composição, um amante da arte da colaboração e uma voz de rara beleza… Mas faltava ainda um mais profundo mergulho em si mesmo. Faltava o disco que mostrasse, mesmo entre amigos e colaboradores, a visão mais pessoal que estava já latente em todas as edições anteriores mas até aqui sem um palco maior para se afirmar em pleno. E assim entra em cena “Afim”… “Marquês 256” era um disco pessoal mas solitário, fruto de um contexto. O novo álbum, se tecnicamente é o segundo em nome próprio de Zé Ibarra, na verdade corresponde à estreia definitiva da sua afirmação como artista a solo. As referências que já tinham passado por experiências anteriores estão bem evidentes, juntando novos moods com alma escutada no jazz e novos desafios. Regressam os diálogos criativos com parceiros como Dora Morelembaum ou Tom Veloso, sem esquecer a divisão dos créditos na produção com Lucas Nunes. Mas há gente nova a bordo (Sophia Chablau) e olhares sobre outras frentes atuais da música do Brasil (na versão de “Retrato de Maria Lúcia” de Ítalo, que curiosamente Julia Mestre, outra das figuras do quarteto Bala Desejo, também tinha reinventado em 2024). Disco tranquilo mas intenso nos detalhes, feito de arranjos elaborados (mas não pesados) e com vários músicos e timbres levados a estúdio sob direção artística do próprio Zé Ibarra. Canções como “Morena”, “Essa Confusão” ou “Transe” são três episódios de absoluta beleza e requinte, canções que herdam ecos de outros tempos e se cruzam com os dias em que vivemos, sem a necessidade de um programa de contemporaneidade apregoada aos sete ventos. Bela, discreta, cativante. À quarta estreia, ouvimos finalmente a fundo quem é Zé Ibarra.