1.
Fez 45 anos de carreira, é um dos melhores portugueses, mas nem sempre o nomeamos, talvez por ser lá de casa, da minha e da tua, arrisco dizer…
…cantamos as suas canções como se fossem mobília de vida, lenha em noites frias ou gelo numa bebida de Verão.
Rui Veloso é grande, enorme.
Canta num tom impossível de copiar, tem o condão de parecer fácil o que faz, mas experimenta cantar no seu tom, sempre lá em cima, experimenta e se conseguires diz-me.
2.
Filho de Aureliano Veloso, primeiro presidente da Câmara do Porto em democracia, cantou o tema que melhor define a cidade – o seu “Porto Sentido” é o hino do lugar para onde foi levado no colo de Emília.
A sua mãe, Emília.
A única pessoa que, incondicionalmente, esteve sempre para si. A que, às suas escondidas e às escondidas do marido, pegou no carro e fez os mais de 300 quilómetros para mostrar a voz do filho ao que mandava nos escritórios da Valentim de Carvalho, em Lisboa.
O seu Rui tinha pouco mais de vinte anos.
E Emília a certeza absoluta, como todas as mães, de que o miúdo era especial.
Na editora também acharam.
Foi assim que, por culpa de uma mãe sonhadora, o país conheceu um rapaz de óculos que tocava guitarra e harmónica sem saber ler uma nota…
…o rapaz que ficaria para a história como o pai do rock em Portugal.
O “Chico Fininho” que bebia “Um Café e um Bagaço” e cortava o cabelo com “Máquina Zero”.
3.
Nasceu uma estrela que, na companhia de Carlos Tê, construiu um castelo de encantamentos, estórias atrás de estórias sobre o que somos e fomos, anéis de rubi e estrelas no céu, mais canções de amor e sarcasmo e uma guitarra que nos seus dedos fala melhor do que mil palavras na boca de tantos de nós.
Rui nasceu privilegiado.
Filho de um engenheiro político e sobrinho de um general.
O Rui que sendo betinho era transgressor, detestava ser menino bem, queria mais, queria tudo e na sua cave do Porto, com tabaco e gira-discos, construiu a sua vida antes dela acontecer.
4.
Construiu-a com acordes perfeitos e dissonantes.
Na vida levantou-se e caiu com estrondo.
Sentiu a fama e detestou-a.
Deprimiu-se e voltou mais forte, avassalador, único.
Tem 68 anos e em outubro e novembro estará de regresso a Lisboa e ao Porto para dois concertos únicos.
Tenciono ir com a minha filha Benedita que, no alto dos seus seis anos, já sabe que não se ama alguém que não canta a mesma canção.
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