Ana Sofia Carvalheda conversou com Carlos do Carmo que lhe
confidenciou como é que este novo trabalho de originais que o junta a António
Vitorino de Almeida e Maria João Pires tomou forma.
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São nove os diálogos que Carlos do Carmo partilha com Maria João Pires neste projecto tão especial. Diálogos com "argumentos" que jogam com as palavras de Vasco Graça Moura, José Carlos Vasconcelos, Júlio Pomar, Fernando Pinto do Amaral, José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, Nuno Júdice, Maria do Rosário Pedreira e Fernando Tavares Marques e com "tramas" desenhadas nas partituras de António Vitorino d’Almeida.
O projecto surge em Novembro de 2009, quando O "Intervalo – Grupo de Teatro" encerrou a sua Semana Cultural, integrada nas comemorações do seu 40.º aniversário, com um tributo aos 60 anos de carreira da pianista Maria João Pires. A sessão contou com a intervenção de António Vitorino de Almeida e um recital de Carlos do Carmo. Nessa mesma noite, nasce, ainda em cima do palco, a ideia de uma colaboração mais profunda entre os 3.
O disco, com edição marcada para dia 26 de Novembro, levará o selo da EDGE Music, uma das etiquetas da prestigiada Deutsche Grammophone, e terá uma única edição: digipack acompanhada por um DVD onde se testemunha a gravação dos ensaios para o disco, mostrando as interpretações de cinco dos fados do disco.
ALINHAMENTO:
CD:
1-Morrer de Ingratidão (Vasco Graça Moura)
2-No Lado Esquerdo do Peito (José Carlos Vasconcelos)
3-Canto Três (Júlio Pomar)
4-Teclado (Fernando Pinto do Amaral)
5-Se Não Tenho Outra Voz (José Saramago)
6-Paixão (Urbano Tavares Rodrigues)
7-Separação (Nuno Júdice)
8-Sem Palavras (Maria do Rosário Pedreira)
9-Invenção de Mim (Fernando Tavares Marques)
DVD:
1-Morrer de Ingratidão (Vasco Graça Moura)
2-Sem Palavras (Maria do Rosário Pedreira)
3-Se Não Tenho outra Voz (José Saramago)
4-Teclado (Fernando Pinto do Amaral)
5-Invenção de Mim (Fernando Tavares Rodrigues)
"Diálogos
(porque
o fado não fala sozinho)
Há
cerca de um ano em vésperas do reconhecimento definitivo em Bali da candidatura
do Fado a Património imaterial da humanidade, dizia-me Carlos do Carmo, em
conversa em sua casa, que tínhamos naquele momento as "prateleiras arrumadas"
e, assim sendo "uma base para o futuro". Referia-se aos novos instrumentistas e
vozes, ao filme de Carlos Saura, a novas edições em livro e, sobretudo, ao
importante pólo de acontecimentos (que junta as memórias ao presente e assim ajuda
a projetar o que está para vir) que é o Museu do Fado. E "o que é que é preciso
agora?", questionava em jeito de conclusão. "É que as pessoas que cantam o
fado, mulheres e homens, jovens, independentemente de um factor fundamental,
que é quererem ganhar a sua vida (e isso é absolutamente fundamental e
respeitável), sigam o conselho do Brel: Não façam batota e o resto, o caminho,
faz-se."
E
sem nunca fazer batota, a verdade é que Carlos do Carmo sempre seguiu o
conselho de Brel. E foi traçando um caminho que, naturalmente ciente de raízes,
tradições, identidades e toda uma cultura que o suporta, sempre soube olhar
além dos horizontes. De vistas largas fez esse caminho. Aceitando, desde cedo,
o valor maior que o diálogo confere a cada voz criativa. Quando cantou com
orquestra. Quando desenhou retratos de uma cidade e um país ao lado de Ary dos
Santos. Quando a sua voz soou num disco de Pedro Abrunhosa, num de Sérgio
Godinho ou, ‘samplada’, numa composição de Sam The Kid. Quando o seu rosto nos
olhou, na capa de um disco, no traço de Júlio Pomar (cujas palavras também ali
cantava). Quando, ao lado de Bernardo Sassetti, criou em 2010 um dos mais
impressionantes discos de toda a sua obra.
E
é a Bernardo Sassetti que é dedicado este novo disco que nesse encontro de há
dois anos tem, de certa forma, um ponto importante de referencia.
Uma
voz. Um piano. Uma pianista.
É
com Maria João Pires que Carlos do Carmo partilha os nove diálogos que agora
escutamos. Diálogos com "argumentos" que jogam com palavras de Vasco Graça
Moura, José Carlos Vasconcelos, Júlio Pomar, Fernando Pinto do Amaral, José
Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, Nuno Júdice, Maria do Rosário Pedreira e
Fernando Tavares Marques e com "tramas" desenhadas nas partituras de António
Vitorino d’Almeida.
E
onde estamos? Num lugar que é também do fado.
Com
Bernardo Sassetti o piano tinha cantado duetos como poucas vezes a história do
fado escutou. Os dedos de Maria João Pires descobrem aqui também uma voz
fadista. A sua voz fadista, que parte das composições mas respira, com o gesto,
a expressão de um sentir. Transcende os lugares de Schubert ou Mozart, mas traz
a presença de quem os transporta nas articulações, no toque, no soar das notas.
O fado assim escuta. Volta a dialogar. Partilha-se. Reinventa-se. É coisa viva
e vibrante. Presente. Mas olhando em frente.
No
mesmo final de tarde a que acima me referia, e já em fim de conversa, Carlos do
Carmo deixava uma última observação. Dizia que o fado é uma coisa muito
particular. Que "é preciso gostar, é preciso amá-lo, querer-lhe bem". É
"preciso perceber que ele é uma história. Isto é um conjunto de histórias. E é
tão bom fazermos parte dessa história. Acho que é um privilégio". E é juntando
este disco a esse conjunto de histórias, que o fado se conta. Dialogando, uma
vez mais."
Nuno Galopim (novembro, 2012)