A cada novo dia 1 de janeiro Viena, na Áustria acolhe o já tradicional concerto na belíssima sala do Musikverein, e que é habitualmente dominado por composições da família Strauss. Este concerto, assim como outros que tantas orquestras apresentam pelo mundo fora neste mesmo dia, são realizações quase imbatíveis quando se pensa no cânone ocidental musical para o novo ano. Mas há também canções que, nascidas nos espaços da música popular, também assinalam esta mesma data. E uma das mais populares surgiu em disco em 1983, num single dos U2 editado precisamente no dia 1 de janeiro desse ano.
New Year’s Day tem uma génese que assinala aquela que foi a maior aproximação de toda a obra dos U2 ao movimento new romantic, que tinha dado que falar uns três anos antes, com epicentro maior na capital britânica. Adam Clayton, o baixista da banda irlandesa, tinha visitado Londres exatamente nesses dias de grande impacte das noites temáticas que tinham revolucionado a relação da música com a imagem na viragem dos anos setenta para os oitenta. E regressara então a Dublin não apenas com um corte de cabelo novo (que traduzia o gosto em levar consigo parte dessa experiência), mas também com ecos da canção Fade to Grey, dos Visage, ainda a ressoar na sua mente. E foi depois, já na sala de ensaio, ao tentar encontrar a sequência de acordes e a linha de baixo da canção, que emergiram as primeiras ideias das quais acabaria por nascer mais tarde esta canção dos U2.
A letra, contudo, seguia por caminhos bem distintos dos que as experiências noturnas em Londres teriam sugerido e refletia, por um lado, sinais do protagonismo que começava a ganhar internacionalmente a figura do polaco Lech Wałęsa (então ainda apenas o líder do sindicato Solidariedade, num tempo em que o seu país se encontrava sob lei marcial que seria levantada no dia de ano novo). Ao mesmo tempo as palavras encontravam a força de querer recomeçar a partir da estaca zero, segundo o ponto de vista de alguém sentado sobre a neve.
Estas imagens de neve seriam depois materializadas pelo célebre teledisco que, na sequência de uma sugestão do realizador Meiert Avis, foi rodado no norte da Suécia, num daqueles dias de fazer o termómetro tremer de frio. Nesse dia não tinham consigo roupa apropriada e, como relataram depois na sua biografia oral U2 by U2, “a boca de Bono quase congelou”. No dia seguinte, na hora de rodar a sequência com os cavalos houve duplos em cena. Na verdade coube a quatro suecas, vestidas com roupas semelhantes às dos elementos dos U2, o papel de surgirem em planos que conferiram ao teledisco um certo tom épico. Vale a pena lembrar que este foi dos primeiros vídeos promocionais dos U2 e que lhes conferiu importantes momentos de comunicação através da televisão.
Mas nem só desta memória dos U2 que o mundo escutou pela primeira vez a 1 de janeiro de 1983 vive o “cânone” das canções com exposição global que falam do ano novo. Recordemos agora um outro exemplo que, de resto, representa um dos episódios em que o mercado português inscreveu um momento de protagonismo na discografia dos suecos Abba. Integrada no alinhamento do álbum Super Trouper, e trabalhada no início da sua vida com o título Daddy Don’t Get Drunk on Christmas Day, a canção Happy New Year fez carreira como single sobretudo em edições que foram surgindo pelos mais diversos territórios já bem depois do final da primeira etapa de vida do quarteto, perto até da viragem do milénio, tendo atingido inclusivamente o número 4 na tabela de vendas na Suécia (em 2008), o número 5 na Noruega (em 2009) ou o número 11 na Holanda (em 2012). Houve, contudo, três países nos quais o tema Happy New Year teve logo direito a edição em single em 1980, o ano em que a canção foi revelada no álbum Super Trouper. Entre eles estavam a Agrentina e o Peru, mas ambos com uma versão cantada em castelhano e apresentada com o título Felicidad. O terceiro país a lançar comercialmente esta canção como single em 1980 foi Portugal, num disco de sete polegadas que incluía a canção Andante, Andante no lado B. Houve, apesar desta dieta original no plano da edição em single na maioria dos territórios, um teledisco desde logo criado para Happy New Year.
Além destes clássicos dos U2 e dos Abba, outras mais canções podem ajudar a criar hoje uma playlist para o dia de ano novo. E por aí podem passar temas como New Years’ Resolution de Otis Redding e Carla Thomas, Our New Year de Tori Amos, New Year dos Beach House, New Year’s Day de Taylor Swift, New Year das Breeders, New Year’s Prayer de Jeff Buckley, My Dear Acquaintance (A Happy New Year), de Regina Spektor, New Year’s Day de Robbie Williams, 3 Minutes ‘Til New Years, de Sia, The New Year dos Death Cab for Cutie, ainda os mais clássicos Let’s Start the New Year Right de Bing Crosby, What Are You Doing On New Year’s Eve, de Ella Fitzgerald ou Happy New Year de Judy Garland ou, entre nós, Ano Novo de Jimmy P e Deejay Telio ou Ano Novo É Vida Nova, que os Gemini cantaram no Festival da Canção em 1978. Tal como entre as canções de Natal, as que celebram a chegada do ano novo cruzam várias gerações e géneros. Bom ano!
Texto de Nuno Galopim