Fomos os dois para Serpa numa tarde de chuva de Novembro de 2014. E da terra alentejana partimos no autocarro da Câmara. Lá dentro, eu e o Armando, lado a lado e o Grupo Coral e Etnográfico da Casa do Povo de Serpa. Era meia-noite quando abalámos para Paris.
Ouvimos cantar as modas. Vinte e uma vozes no escuro da noite embalavam a «camineta» com as modas do Alentejo. Gravei tudo. O que ouvíamos. Para além dos sons, hei-de manter gravada na memória aquela viagem que durou 27 horas até chegarmos à capital francesa.
A camioneta ía parando a cada três horas. Saíamos, comíamos e bebíamos. Pão alentejano, queijo, enchidos e vinho…muito.
E cantávamos. Sim, a meio da viagem, eu e o Armando começámos a entoar os refrões de algumas das modas alentejanas. Eram três da manhã do dia seguinte quando, enfim, chegámos ao hotel do outro lado da Torre Eiffel.
No primeiro dia na UNESCO, procurámos o RDIS. A ligação que nos haveria de permitir a transmissão da cerimónia. Eu e o Armando, à procura em todos os cantos do enorme edifício. Descobrimo-lo preso à parede de um dos locutórios em que se fazem dobragens para várias línguas. Mas estava desarrumado. Arregaçámos as mangas e toca de tirar tudo cá para fora: cadeiras e mesas velhas, montes de jornais, tralha.
Depois de limpo, passou a ser a nossa redacção. Microfones da Antena 1 montados, ligação a Lisboa pronta a emitir, cadeiras limpas, uma mesa de trabalho. Mini-redacção com vista para o palco onde se haveria de ouvir cantar alentejano. Outros jornalistas juntaram-se com portáteis e câmaras e aquilo passou a ser a redacção portuguesa na Unesco.
O Armando ia relatando para a rádio os passos do grupo de cantadores. Eu dava conta das notícias que iam surgindo. Um ao lado do outro, numa entreajuda que nunca mais esquecerei. Até que chegou o dia: 27 de Novembro de 2014.
A manhã da rádio estava cheia de cante e do Armando que em directo contava os momentos de espectativa. Ao aproximar da hora em que se votaria a candidadtura portuguesa do cante alentejano a Património Cultural Imaterial da Humanidade, fixámos a emissão em Paris. E como a nossa redacção improvisada estava afastada da plateia em que se sentam as delegações dos países, o Armando foi o responsável por termos tido na Antena1 praticamente todos os intervenientes neste processo de candidatura. Foi ele que os arrancou da cadeira para virem à emissão que eu conduzia a partir daquele locutório da Unesco, em Paris. Ele andava para cá e para lá. E no momento decisivo estavamos os dois de microfone na mão. Felizmente há uma fotografia que alguém tirou. Se não fosse o Armando, a emissão não teria corrido tão bem como correu.
Aquela dedicação era inquestionável. Como ele dizia, a rádio não é vida, é uma paixão. Estava ali mais do que presente.
Não me lembro dos abraços que trocámos. Eram muitos. Nós e eles, os do cante. Uma beleza de humanidade.
No regresso, o autocarro foi substituido pelo avião. De novo sentados, lado a lado, eu e o Armando, ouvimos e vimos o Grupo em fila indiana, entrando no avião a cantar à alentejana. Um a um a entrar no avião da TAP com turistas que acabaram por ser contagiados com o cante. Quem não fica?
Eu e o Armando ficámos.