Bruce Springsteen tinha 23 anos quando, a 5 de janeiro de 1973, um primeiro disco com o seu nome impresso na capa chegou aos escaparates das novidades. Chamava-se Greetings from Asbury Park, N.J., como se fosse um cartão postal de apresentação de alguém que, de facto, por aqueles dias residia naquela cidade costeira de New Jersey conhecida por ter uma viva cena musical que crescia entre os seus bares e pequenos palcos. Nascido em Long Branch, uns poucos quilómetros mais a norte, Springsteen conhecia bem Asbury Park, onde ia regularmente com a família desde os dias de maior juventude. De resto, na sua autobiografia Born To Run descreve aquele lugar, lembrando que “no final dos anos 60 havia perdido o seu esplendor vitoriano de outrora” e se tinha entretanto “transformado num resort para a classe trabalhadora” que vivia naquela região. Do “declínio” de Asbury Park tinha contudo emergido uma cidade diferente, ou, como Springsteen retrata, uma “cidade aberta”, notando que ali havia “bares gay ao lado de clubes musicais decrépitos abertos toda a noite”, acrescentando que “ainda sem terem chegado os confrontos raciais que já pairavam não muito ao longe, havia de tudo um pouco”. Esta era a cidade onde Springsteen vivia e onde tinham nascido as canções deste seu primeiro álbum, criadas sobretudo num velho salão de cabeleireiro, abandonado, que ficava por baixo do apartamento onde então vivia e tinha um velho piano no qual, juntamente com a sua guitarra, experimentava ideias, nascendo assim música e palavras.
Se Asbury Park servia de berço às canções que o álbum acabou por fixar, na verdade é de uma experiência de geografias mais alargadas que viveu o percurso que permitiu a Springsteen editar este seu disco no catálogo da Columbia, a “casa” de Bob Dylan. Entre palcos e estrada desde os 15 anos, entre várias bandas com as quais começou por criar versões e depois passou a experimentar canções originais, recrutando com o passar dos tempos uma série de parceiros que, a seu tempo, acabariam conhecidos como a E Street Band, Springsteen tinha desenvolvido uma escrita pessoal, atenta também ao universo ao seu redor que, ao chegar (por contactos certeiros) a Clive Davis e, sobretudo John Hammond (o mesmo que havia contratado Dylan), lhe deu a luz verde para um primeiro álbum.
Para não gastar demasiado, as gravações tiveram lugar num pequeno estúdio em Nova Iorque, traduzindo o lote de canções chamadas às sessões não uma mas duas realidades. Por um lado havia temas acústicos, trabalhados a solo, que surgiam pelo facto de, como o cantor depois explicaria em Born To Run, responder a eventuais expectativas de quem o assinara pensando que tinha juntado mais um artista folk ao catálogo da editora. Por outro, houve uma vontade em não deixar de fora o fulgor de escola rock que o músico experimentava quando tocava ao vivo com a sua banda. De resto, ao escutar finalmente o alinhamento, o editor não comentou essa presença de dois mundos, mas sim uma eventual “falta de êxitos”. E foi assim que, no final dos trabalhos em estúdio, Springsteen escreve e grava Blinded By The Light e Spirit in The Night, que acabariam inclusivamente por representar os dois singles extraídos de Greetings from Asbury Park, N.J.
Ao chegar às lojas de discos o álbum gerou uma resposta de adesão inicial discreta, sobretudo da parte de seguidores mais próximos, longe ainda do sucesso maior (que chegaria dois anos depois, com o álbum Born To Run). As críticas foram geralmente favoráveis, embora insistissem frequentemente em comparações com Bob Dylan (coisa com que hoje vive certamente bem, já que chegou a afirmar que Dylan era o pai do seu país). Mesmo assim, e embora não fossem poucas as citações a uma ideia com de poeta rock’n’roll, à escrita de Bruce Springsteen é desde logo reconhecida uma noção de realismo, de verdade, tanto na expressão de traços pessoais como nos olhares sobre o mundo ao seu redor. Ele mesmo explicaria como, a dada altura, fez uma viragem no curso do seu modo de escrever. Uma viragem que se dá em 1972, quando estas canções começam a surgir. “Teria de escrever muito bem e de modo mais individual do que antes”, conta em Born To Run… E assim foi.
A E Street Band, ainda sem esse nome, já aqui se escuta. A vertigem rock que estaria mais presente no segundo álbum (editado também em 1973) já aqui se desenhava. Muito do seu futuro já aqui se adivinhava, portanto… Mas na verdade, só depois do sucesso de Born In the USA, é que este álbum de estreia figurou em tabelas de vendas pelo mundo fora. Mas a seu tempo acabou reconhecido como um título marcante (no seu tempo e na obra do seu autor), surgindo no número 329 da lista dos 500 melhores álbuns de sempre publicada pela Rolling Stone em 2003 e, dez anos depois, numa outra que destacava os cem melhores discos de estreia.
Texto de Nuno Galopim
Ao longo do dia a Antena 1 vai evocar clássicos dos 50 anos da vida discográfica de Bruce Springsteen. Ouça abaixo o testemunho de Nuno Galopim no Programa da Manhã: