Cem anos depois do seu nascimento, a 3 de abril de 1924, Marlon Brando continua a ser uma figura essencial para compreendermos muitos aspectos do cinema do passado e do presente. Esquecemo-nos, por vezes, que a verdadeira revolução artística que protagonizou no início da década de 50 — com “Um Eléctrico Chamado Desejo” (1951) e “Há Lodo no Cais” (1954), em ambos os casos sob a direcção de Elia Kazan — não pode ser reduzida a uma mera derivação técnica do Método (com maiúscula) enraizado nas lições do mestre russo Konstantin Stanislavski. As suas performances, a par de alguns dos seus contemporâneos (James Dean, Paul Newman, Shelley Winters, etc.), transfiguraram e, de alguma maneira, reinventaram a relação actor/câmara de filmar e, nessa medida, as escolhas narrativas de cada filme.
Quando o vemos ou revemos em títulos como “Júlio César” (1953), a adaptação de Shakespeare dirigida por Joseph L. Mankiewicz, “Eles e Elas” (1955), um musical também com assinatura de Mankiewicz, ou “Cinco Anos Depois” (1961), insólito e fascinante “western” que foi também o seu único trabalho como realizador, deparamos com uma energia vital. A saber: há em Brando esse paradoxo formal e sensorial que consiste em expor a “interioridade” das suas personagens através de um processo que não é estranho a um verdadeiro exercício de descoberta — como se cada filme fosse uma revelação íntima de que o actor não é um simples “ilustrador”, mas sim um complexo instrumento humano.
Sabemos que, ao longo dos anos 60, diversas questões comportamentais, pondo em causa o bom funcionamento das rodagens de alguns filmes em que participou, tornaram Brando “persona non grata” junto dos estúdios de Hollwyood. De tal modo que o seu espectacular retorno no papel de Don Vito Corleone, em “O Padrinho” (1972), de Francis Ford Coppola, não teve nada de óbvio — bem pelo contrário, só a obstinação do próprio Coppola garantiu a aprovação de Brando pelos executivos da Paramount (o mesmo, aliás, aconteceu com a escolha de Al Pacino para o papel de Michael Coleone).
No mesmo ano de 1972, em “O Último Tango em Paris” (1972), de Bernardo Bertolucci, Brando surgiria noutra das suas mais desafiantes composições, num registo de intimidade raro em qualquer época da história do cinema. Encontramos, depois, esse belíssimo e muito esquecido “western” que é “Duelo no Missouri” (1976), contracenando com Jack Nicholson sob a direcção de Arthur Penn, mas seria “Apocalypse Now” (1979), mais uma vez sob o olhar de Coppola, a conferir-lhe a
dimensão de ícone cinematográfico e cinéfilo para lá das épocas, das modas e dos estilos.
Nos anos finais da sua carreira, Brando já não tinha, nem de longe nem de perto, a aura de estrela que deslumbrara espectadores dos anos de 1950/60/70. Talvez seja mesmo verdade que, para muitos espectadores jovens deste nosso turbulento século XXI, ele continue a ser um nome “abstracto”, ou apenas um ilustre desconhecido…
Lembremos apenas que a sua filmografia se encerrou com um delicioso divertimento, curiosamente dirigido por um cineasta vindo da constelação criativa dos Marretas: Frank Oz. Trata-se de “The Score” [trailer aqui em baixo], entre nós lançado com o subtítulo “Sem Saída”: uma sofisticada variação sobre o modelo clássico do policial centrado num arrojado assalto para roubar uma peça preciosa da antiguidade. Nele encontramos o talento multifacetado de três gerações: Brando, Robert De Niro e Edward Norton — estamos perante uma verdadeira passagem de testemunho.