O desafio de fazer um quinto filme da saga de Indiana Jones era enorme. O próprio Harrison Ford, à beira dos 80 anos, e ainda antes de o realizador James Mangold estar na mira para o assumir, estava num dilema. O que mais o preocupava era o facto de a sua famosa personagem poder parecer demasiado velha. Foi essa apreensão que confidenciou a Mangold, quando no outono de 2019 o realizador se juntou à equipa de trabalho de O Apelo Selvagem, adaptação do livro de Jack London encabeçada por Harrison Ford, para ajudar na refilmagem de algumas cenas. Nessa altura, o ator começou a falar-lhe sobre o quinto filme de Indiana Jones, que esteve em desenvolvimento durante quase três anos. Não havia razão para pensar que pudesse estar a ser sondado para o projeto de Indiana Jones e o Marcador do Destino, mas a verdade é que Ford ficou impressionado com o realizador, que parecia ter uma visão apurada do que era necessário para resolver o impasse. Contudo, e apesar de Harrison Ford temer que, por comparação com a imagem mais nova do herói que interiorizara, o público ficasse dececionado, a solução de James Mangold foi precisamente jogar com isso logo de início.
Para esse efeito, criou uma sequência de abertura com 25 minutos passada em 1944 para “amortecer” o impacto inicial que teria junto dos espectadores um confronto abrupto com um Indiana Jones quase no término dos seus 70 anos e facilitar assim um pouco a transição para essa etapa da vida da personagem, apesar de o realizador “querer” que os espectadores ficassem também dececionados com esse contraste, o que realçaria também o facto iniludível de que uma grande parte da experiência de envelhecer é uma desilusão. Para além da história, que faria sentido também que estivesse relacionada com os especiais efeitos do tempo, o grande “truque” que se tornava imperioso em Indiana Jones e o Marcador do Destino era o de “rejuvenescer” o aspeto físico da personagem, criando uma versão mais jovem dela que surge em flashbacks, o que foi conseguido com recurso a efeitos gerados por computador que utilizaram imagens de arquivo dos filmes anteriores para “refazer”, em “sobreposição” às cenas interpretadas pelo atual Harrison Ford, toda a sua compleição física.
É claro que para o realizador esta era à partida, ainda que única e desafiante, também uma missão ingrata, embora obviamente não lembrasse a ninguém, nem mesmo a um experiente e competente criador de blockbusters, pretender ombrear com alguém com um sentido tão magistral do cinema como Steven Spielberg, que com Os Salteadores da Arca Perdida, o primeiro título da série, praticamente redefiniu o conceito de filme de aventura. De resto, cumpriu-se com este filme a intenção inicial de criar uma pentalogia, quando, em 1979, Steven Spielberg e George Lucas acordaram com a Paramount que a série de filmes inspirada nas clássicas cinesséries de aventuras de Hollywood seria composta por um conjunto de cinco longas-metragens distintas. Certo é que as três primeiras são as melhores, sobretudo Os Salteadores da Arca Perdida, de 1981 (em que o destemido arqueólogo enfrentava nazis na busca pela Arca da Aliança) e Indiana Jones e a Grande Cruzada, de 1989 (em que agora a poderosa relíquia procurada era o Santo Graal e Indy voltava a combater os nazis, desta vez ao lado do pai, interpretado por Sean Connery, que à época tinha, por sinal, menos 20 anos do que Harrison Ford atualmente, e que contava também com uma breve sequência com um jovem Indiana Jones personificado por River Phoenix). Indiana Jones e o Templo Perdido (1984) obteria o último lugar do pódio (sobretudo porque hoje pode ser visto como xenófobo e etnocêntrico), enquanto Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008) vai diretamente para o vale dos filmes esquecidos.
E se também volta a haver nazis em Indiana Jones e o Marcador do Destino (agora, o papel de vilão e impiedoso fascista cabe ao especialista em maus da fita Mads Mikkelsen), desta vez a também habitual e perseguida relíquia toma a forma de um misterioso e precioso artefacto cuja invenção se atribui ao matemático grego Arquimedes e que será o mais antigo computador analógico do mundo. Mas agora Indiana Jones tem ao seu lado uma enérgica parceira de aventuras entregue à atriz Phoebe Waller-Bridge, uma personagem que, como é compreensível e adequado, já não cumpre, neste filme, como antes geralmente sucedia com as parceiras femininas, também uma função de interesse romântico ou objeto de flirt.
As aventuras do mais famoso professor de arqueologia da ficção cinematográfica conheceram também uma versão televisiva que retratava a sua juventude na série de duas temporadas Indiana Jones – Crónicas da Juventude (em que o protagonista era interpretado por Sean Patrick Flanery), transmitida no canal ABC de 1992 a 1993 e que por cá foi exibida pelo Canal 1 da RTP.
Texto de Nuno Camacho
Esta sexta-feira, Indiana Jones e o Marcador do Destino é destaque único em Duas ou Três Coisas, programa de João Lopes e Nuno Galopim, num episódio integralmente dedicado à figura de Indiana Jones. Para ouvir na Antena 1 depois das 23h, e logo depois na RTP Play.