O arquivo de imagens que, nos anos 60, documentaram a história dos Beatles, tem sido fonte para uma sucessão de novos olhares projetados para exibição tanto nos pequenos como nos grandes ecrãs. Dos retratos da vida na estrada que ganharam forma em “Eight Days a Week” (Ron Howard, 2016) ao mergulho detalhado nas imagens (e sons) captados em janeiro de 1969 durante a criação das canções que, pouco mais de um ano depois, fariam o alinhamento de “Let it Be”, e que entretanto geraram a série “The Beatles: Get Back” (Peter Jackson, 2021), isto sem esquecer outras variações deste mesmo último corpo de imagens, seja em “The Beatles: Get Back – The Rooftop Concert” (2022) ou a recuperação do original “Let It Be” (Michael Lindsay-Hogg, 1970), a história recente do legado dos fab four não tem sido coisa de dieta no departamento da oferta documental. E agora, chegados à reta final de 2024, eis que, para já com expressão na plataforma Disney +, entra em cena um novo filme. Tem por título “Beatles 64” e faz-nos mergulhar na (literal) aventura que os Beatles viveram por ocasião de uma mítica viagem aos Estados Unidos, em fevereiro de 1964.
Realizado por David Tedeschi, com produção de Martin Scorsese (que de resto vemos a dada altura numa entrevista com Ringo Starr especialmente realizada para este filme), “Beatles 64” nota como o mês que transformou os Beatles num fenómeno maior em solo americano teve profundo impacte não apenas cultural mas também social. De resto, o filmem sugere que esta visita terá ajudado uma geração de jovens americanos a ultrapassar o tom magoado que habitava os ares de um país que, poucos meses antes, assistira ao assassinato de um presidente.
O tutano de “Beatles 64” faz-se de uma inteligente utilização de material de arquivo, usando em grande parte imagens então captadas por Albert e David Maysles, que então trabalhavam no documentário “What’s Happening! The Beatles in the U.S.A.”. O corpo de arquivo, que junta também outras fontes (entre as quais uma entrevista televisiva de John Lennon onde o vemos a desmontar uma ideia de pioneirismo dos Beatles na chamada “british invasion” de então), lembra a loucura dos fãs em volta do hotel, as passagens pelo programa de Ed Sullivan e pelos palcos, os encontros com as Ronettes ou Smokey Robinson ou a ida a Miami, entre outros mais episódios. A dada altura, num comboio, Paul McCartney fala para a câmara, secundarizando a dimensão cultural do que estava a acontecer: “it’s just a laugh”, diz… Como estava enganado!
“Beatles 64”, que entretanto gerou já uma edição digital com a banda sonora que, além de material dos Beatles, inclui uma versão de “All My Loving” por Elaine King, gravações de Smokey Robinson com os Miracles (entre as quais uma versão de “Yesterday” apresentada no programa de Ed Sullivan em 1968) e ainda canções de Chuck Berry, Little Richard ou Barrett Strong Jr. O filme e a respetiva banda sonora surgem ao mesmo tempo de uma série de reedições em vinil das versões em mono das versões americanas dos álbuns dos Beatles, disponíveis ora avulso ora na caixa “The Beatles: 1964 US Albums in Mono”.