Foi há 50 anos, a 29 de novembro de 1974, que “Laranja Mecânica” chegou às salas portuguesas — tinha sido um dos títulos proibidos pela censura do Estado Novo. Na verdade, quando pensamos no filme de Stanley Kubrick, lembramos, não apenas um excepcional objecto de cinema, mas também um dos mais atribulados processos de difusão (ou interdição) que podemos encontrar na história das imagens em movimento.
Por exemplo, no Reino Unido: pouco depois da estreia comercial, ocorrida em finais de 1971, as autoridades tomaram a decisão de o proibir devido às cenas de violência; para tal contribuiu o facto de algumas entidades terem sugerido que havia um paralelismo entre essas cenas e o crime cometido por um rapaz de 14 anos, assassinando um colega. Perante o crescendo de polémicas, e a pedido do próprio Kubrick, a Warner Bros. acabaria por retirar o filme de circulação — a sua reposição nos ecrãs do Reino Unido só aconteceria em 1999, já depois da morte de Kubrick (ocorrida a 7 de março desse ano, contava 70 anos).
Baseado no romance homónimo de Anthony Burgess, publicado em 1962, “Laranja Mecânica” projecta-nos num futuro próximo que tem tanto de drama como de farsa, evoluindo como uma saga de violência que é também um conto moral. O trailer original do filme sugere mesmo essa diversidade de registos através de uma avalanche de palavras que aparecem por breves instantes no ecrã: “divertido”, “emocionante”, “bizarro”, “político”, etc.
Para Malcolm McDowell, foi o papel central de toda uma carreira. Mais do que isso: a personagem de Alex, chefe de um gangue violento, acabou mesmo por criar-lhe uma “imagem de marca” de que, em boa verdade, raras vezes se libertou. Julgado pelos seus crimes, Alex é tratado pelo Estado como alguém cujos desvios vão ser superados por um programa de correção dos impulsos violentos. Como? Expondo-o a imagens de extrema violência…
Escusado será dizer que esta parábola sobre as fronteiras entre a Lei e a Ordem (primeiro no livro, depois no filme) há muito superou as barreiras do seu tempo, existindo como uma narrativa intemporal que, de uma maneira ou de outra, questiona o nosso presente.
Sem esquecer, claro, que tudo isso acontece através de sofisticados elementos de encenação que vão desde as imagens que fazem lembrar o cromatismo pop até ao envolvimento musical. Neste aspecto, a banda sonora de Wendy Carlos impõe-se como um verdadeiro clássico dentro de um clássico: através de recursos electrónicos, a sua reinvenção de temas de Henry Purcell ou Ludwig van Beethoven ajudou a consolidar uma atitude experimental que, com ou sem nostalgia, se mantém totalmente actual.
Texto de João Lopes
Este é um dos destaques no episódio desta semana de “Duas ou Três Coisas”, com João Lopes e Nuno Galopim.