1.
Tudo o que direi hoje será diabolizado amanhã pelos cínicos, pelos que acreditam que a política ou a seriedade ou o profissionalismo não se compadecem com boas histórias, boas pessoas, afetos e empatia.
Será diabolizado pelos que são profetas das más notícias, do pessimismo, do pragmatismo, de todos os ismos que contribuem para a morte do sonho, da utopia, do acreditar numa ideia de Bem, seja isso o que for.
2.
Marcelo Rebelo de Sousa é criticado todos os dias pelos comentadores, pelos influentes, pela esquerda e pela direita, por uma parte da Igreja, pelas sociedades secretas, por militares e jovens emproados.
Não há bicho que não o critique por isto ou pelo seu contrário.
Só não é criticado na rua.
As pessoas continuam a abraçá-lo, a tirar uma selfie, a contarem-lhe de si.
3.
Os cínicos gritam em coro: é a prova do populismo do Presidente da República.
Da sua falta de recato.
Da sua inabilidade para a função.
Todos têm opinião, mesmo os que não saem da cepa torta, dos que não valem um caracol, dos que nada fizeram pelo mundo, pelo país ou pela sua rua.
4.
Marcelo cometeu erros, um maior do que os outros, um tema para outras núpcias.
Agora que já está tudo arrumado nas legislativas.
Agora que se aproximam as autárquicas e nos começamos a despedir do Presidente da República, quero que fique escrito que foi um prazer e um orgulho ver Marcelo em Belém.
5.
Foi um orgulho ouvir tantos estrangeiros falarem do Presidente português com admiração.
E é um orgulho saber que metade da sua agenda continua a ser preenchida pelo que não sabemos, pelo que não diz.
As visitas a moribundos.
As visitas a bairros de gente excluída.
As visitas a obras sociais.
As visitas a prisões.
A lugares de imigrantes.
A sopas de pobres.
Também a escolas onde dá uma palavra pessoal a alunos excecionais, a professores que lançam incríveis projetos ou a hospitais com gente que sacrifica o melhor das suas vidas pelo bem comum.
Não está na agenda, não é acompanhado por jornalistas, mas fá-lo sempre que pode por achar que o deve fazer.
6.
É coisa pouca?
Não, é coisa muita.
Estamos a despedir-nos de um homem extraordinário.
Um homem imperfeito num mundo muito mais imperfeito do que ele.
Um homem que nos orgulhou por representar Portugal nos palácios e nas tascas do mundo, um homem sempre à vontade a comer ostras e a comer caracóis.
Um homem genialmente inteligente – porventura demasiado inteligente. Mas também uma boa pessoa, no fundo, na sua essência, uma das melhores que conheço.
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