1.
Mariana Jones escreveu um livro sobre o Pedro e o Afonso.
Uma história de amor entre dois rapazes que já não são crianças, mas que ainda não são bem adolescentes.
“O Pedro gosta do Afonso” tem gerado ondas de apoio e de ódio.
Gente que está do seu lado e a convida para lançamentos por a liberdade estar em causa. E por gente que a ameaça, que lhe chama nomes nas redes sociais, que lhe faz esperas, que invade as suas apresentações com palavras de ordem.
2.
Não quero falar sobre o livro, é uma história de amor bonita e que faz pensar. De alguma maneira, uma história útil para famílias que não sabem o que fazer com o despertar dos filhos, com as suas dúvidas, com os seus medos.
Uma história útil também para pré-adolescentes ou adolescentes que sentem o que não conseguem entender ou explicar.
A Mariana utiliza a inquietação como matéria narrativa, mas não quero falar sobre um livro que está longe de fazer uma apologia da homossexualidade entre crianças.
Pensá-lo é apenas ridículo.
3.
Quero sim apresentar a Mariana ao “exército” de gente que acredita piamente que ela é um símbolo do mal, seja isso o que for.
Apresentá-la à malta que invade os sítios onde ela está. Que a atropela nas redes sociais chamando-lhe os piores nomes, ameaçando-a mais à família que construiu, os filhos que lhe saíram da barriga, os sonhos de que é feita.
4.
Talvez isto não vos interesse.
Talvez estejam mesmo preocupados em limpar isto da gente má, dos ímpios, dos diabólicos, dos comunas, dos maricas, das fufas.
Talvez acreditem que são bons, boas pessoas, de bom coração, gente que nasceu para salvar o mundo, para o limpar, gente certamente tocada por um Deus que imaginam quem é e o que deseja.
Talvez isto não vos interesse, mas a Mariana é uma pessoa maravilhosa.
Uma pessoa que gosta de gostar.
Que gosta de dizer às crianças que o mundo se pode ver de pernas para o ar, que por isso faz o pino e conta-lhes histórias de cabeça para baixo.
Talvez isto não vos interesse, mas a Mariana Jones foi uma amiga para Rui Nabeiro. Visitava o comendador e abraçava-o depois de falarem de projetos, de histórias, de crianças, de futuro.
O comendador adorava-a.
E ela “desenhou-lhe” a história com as suas palavras felizes.
Talvez não a saibam reconhecer, não saibam reconhecer a bondade nos olhos e a necessidade de ser maior com a força do sonho e da utopia, talvez não tenham a possibilidade de a ver com os meus olhos.
Uma menina grande.
Que ajuda os outros, que acredita na vida e nas pessoas, que teve dificuldades e as superou, que agarra o mundo com a louca convicção de que vale a pena estar aqui.
Quando invadirem o próximo lançamento do Pedro e do Afonso saibam que aquela mulher é forte.
Que aquela mulher é uma sobrevivente.
Que aquela mulher se fez sozinha contra dúvidas e pressões maiores do que as vossas.
Que aquela mulher vale a pena e é um talento.
Que aquela mulher tem uns olhos curiosos e feitos de uma generosidade que infelizmente nunca conseguirei acompanhar.
Que desperdício não conseguirem reconhecer uns olhos assim.
Um desperdício e uma pena.
Texto e programa de Luís Osório
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