Passam hoje, precisamente, cem anos, Teixeira de Pascoaes escreveu, na primeira página do Diário de Lisboa, a convite do seu director Joaquim Manso, um texto sobre “a tristeza lusitana”.
Já Aquilino respondera, uns dias antes, ao desafio do Diário de Lisboa, sustentando que a tristeza portuguesa seria, “acima de tudo, literária”. Mas Aquilino é, neste olhar de há cem anos, o autor de uma prosa da semana passada, mesmo se aos olhos de muitos de nós o seu olhar transporta mais futuro que o do poeta do Marão. Dispensemos etiquetas apressadas.
No texto com que saúda um novo ano na primeira página de um jornal de Lisboa, o autor de “A Arte de Ser Português” não está com floreados, estilísticos ou filosóficos. Vai ao ponto preciso, ao mesmo preciso ponto que irmana, num poema das “Elegias”, os olhos “em lágrimas, beijando a terra” ao seu “espírito a sorrir”.
Assim o imaginamos na solidão contemplativa do Marão, por mais que ilustres amigos o visitem.
No artigo de há cem anos, Pascoaes faz a vénia a Bernardim e ao Nobre e logo nos confronta com um conceito chave, o da tristeza da saudade, lembrando que a isso chamava Frei Agostinho da Cruz “luz divina”. Ora esse não seria, longe disso, para Pascoaes, um “sentimento depressivo”. No artigo breve do Diário de Lisboa, o poeta usa um traço grosso: “A saudade, síntese da lembrança e da esperança, é uma força divina da alma portuguesa; tornou-a mística e aventurosa. Devemos-lhe o Brasil e a Elegia Pastoril, a mais delicada flor da poesia europeia”.
Pascoaes pretende sublinhar, nesses dias de mudança de página sugeridos pelo calendário, que “a alma portuguesa é a alma dos seus grandes poetas representativos, D. Diniz, Bernardim, Camões, Frei Agostinho”, do mesmo passo lembrando que a tristeza da saudade aparece, com assinalável relevo, nas cantigas populares. Ora, isso há-de ser lido com subtil sagacidade, se tomarmos como pressuposto, e Teixeira de Pascoaes toma, o “acordo absoluto” que, a seus olhos, existe entre o povo e os poetas.
São estas as premissas para o remate do texto com que Teixeira de Pascoes se dirige aos leitores do Diário de Lisboa: “A tristeza lusitana é, portanto, a maior virtude da nossa raça. Foi ela que lhe deu alma e beleza; suavizou-lhe os aspectos broncos e duros, como as sombras do crepúsculo enternecem os fraguedos dos montes e a ramagem esqueléticas das árvores”.
Um texto desta natureza pede tudo menos a resposta a perguntas de almanaque, cuidando de saber se o ano que termina deixou saudades. Saudemos o que lá venha, com céptico desvelo. Quase adivinhando o que um tal José de Almada Negreiros há-de escrever, no mesmo jornal, daqui a quatro dias de há cem anos, sobre o mesmo tema: “Para nós, Portugueses, o único caminho que vai desde a tristeza até à alegria chama-se Saudade: a Saudade do que já passou e a Saudade do que há-de vir”.
Entretanto, regressemos, em havendo tempo, e não havendo façamos com que haja, à alegria, triste que seja, da obra de Pascoaes, e no fio que puxarmos, possam vir Bernardim, Camões, Frei Agostinho, Almada. E Aquilino, claro.