Como sabemos ou deveríamos saber, o peso das palavras não resulta de uma qualquer ação da gravidade sobre os corpos. De modo que, mesmo falando a granel, não há loja onde possamos pedir uns tantos gramas ou quilos de substantivos. Mesmo parlapiando a metro, duas polegadas de verbos, ó faxavor.
Há palavras que se moldam e ajustam, conforme o contexto, ganhando, tantas vezes, novos sentidos. Por isso, convém, na prosápia corrente, provar a prosa, a ver se está boa de forma e de fundo. É o que faz, sempre, na acutilância do traço e do texto, o admirável cartoonista Luís Afonso.
Hoje, na última do Jornal de Negócios, os cativos da tira descascam uma tirada de Leitão Amaro no final do conselho de ministros. Vai uma: “O ministro da Presidência diz que é um erro chamar cativações à despesa cativada para imprevistos”. E o vizinho de mesa: “E chama-se-lhe o quê?”. E vai a outra: “Um momento, vou procurar no dicionário de sinónimos”.
Todos os pretextos são bons para visitarmos os dicionários. Não apenas porque pode haver um abismo entre cativo e cativado, mesmo se Camões parece dizer-nos o contrário nas Endechas a Bárbara Escrava, “aquela cativa, que me tem cativo (…)”
Ora, qual é o ponto de Leitão Amaro? O ministro não quer comparações com as cativações de governos anteriores. Aquilo a que chamam (quanto a Leitão Amaro, erradamente, quer do ponto de vista técnico quer do político) cativações, à moda de Centeno ou Medina, são, no dicionário de Amaro dotações que ficam “cativas do ministro sectorial”.
Sarmento sobe a despesa cativa da sua assinatura e retira o travão? Logo Amaro trava suavemente e aponta equívocos do calão político. Os dicionários abrem, quanto a cativações, um largo leque, e o desprevenido leitor de jornais, confundido com o jargão técnico, fica na situação do “pássaro cativo”, a “avezinha descuidada” de um poema de Olavo Bilac. No poema do parnasiano, a avezinha bate as asas, mas cai na escravidão de uma gaiola dourada onde tudo lhe é dado, alpista, água fresca. E apesar desse cuidado, de algum modo cativante, pergunta o poeta: “porque é que, tendo tudo, há-de ficar o passarinho mudo?”.
Garantiu-nos o Expresso, há umas horas, que “o Orçamento prevê para 2025 um nível recorde de cativações nos ministérios”. Puxai dos dicionários, não apenas da calculadora. Ao assegurar que as cativações vão bater o recorde no primeiro orçamento de Sarmento, o jornal não cativa, técnica ou politicamente, o olhar fino e arguto do ministro Amaro.