Um homem de 68 anos foi detido pela GNR quando caçava, na freguesia da Barca, usando armadilhas de gaiola. A breve do JN conta que a GNR conseguiu resgatar três aves, “entregues posteriormente no Parque Biológico de Gaia”.
Nunca me ocorrera que se podia caçar com gaiolas. A gaiola era, na minha arrumação da ordem pouco natural das coisas, o lugar de cativeiro, não a arma do crime. Quando a gaiola comete a dupla função perde a nobreza da falcoaria, se posso dizer assim.
Vendo bem, eu tinha ficado parado lá atrás, na vara de visgo. Nas histórias em que a minha infância imaginou apanhadores de pássaros, eles levavam ao fogo goma de figueiras bravas. E colhiam pássaros da vara, como quem apanha cerejas da árvore.
A verdade é que as redes (uso a palavra rede consciente da ambivalência que ela ganha, neste contexto) estão cheias de anúncios de armadilhas de gaiola. As redes lançam a rede de mil maneiras.
Esta manhã encontrei num website os mais diversos modelos de gaiolas para captura de pombos. Em alguns casos, com porta dupla. Nos mais simples, um alçapão em chapa galvanizada acciona uma porta. O pombo entra, mas já não sai.
Ocorre que a caça com armadilha de gaiola é proibida. Mas a rede está cheia de armadilhas, estas e outras, a nossa iliteracia em liberdade pode deixar-se engaiolar, de mil maneiras, como as aves da notícia.
Não encontrei, na pesquisa breve, websites de empresas propondo técnicas de desengaiolamento. Armadilhados em nossos automóveis ou nos apartamentos que o Cesário semelhou a “gaiolas com viveiros”, escapa-se-nos que essa é matéria mais vasta do que uma crónica possa alcançar. É mais competência da poesia.
Dominais a técnica necessária para fazer o retrato de um pássaro? Eu não conheço método melhor do que aquele sugerido por Jacques Prévert. Paradoxalmente impõe, logo no primeiro verso, o uso de uma gaiola: “Pinta primeiro uma gaiola / com a porta aberta / pinta a seguir / qualquer coisa bonita / qualquer coisa simples / qualquer coisa bela / qualquer coisa útil / para o pássaro”. O poema desenvolve lentamente a sua estratégia, atrai o pássaro pela sedução.
Não há website capaz de abrir gaiolas ou de lhes dar asas como os poemas que ousam ser ave. Pudessem os soldados da GNR confrontar os desatinados das armadilhas de gaiola com aquele verso de Ruy Belo: “Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores”.