Os jornais brasileiros seguem com particular atenção o caso de Thiago Ávila, um dos activistas que viajaram com Greta Thunberg na embarcação de ajuda humanitária a Gaza. Os doze foram detidos em águas internacionais e levados contra a sua vontade para Israel. Greta e alguns outros do grupo assinaram, entretanto, uma nota de deportação que as autoridades de Israel lhes apresentaram como alternativa à prisão até que um tribunal israelita determinasse a sua deportação forçada. Dos doze, quatro voaram para casa, oito permanecem detidos. A mulher de Thiago contou ontem que ele se encontrava na solitária, uma cela sem luz e sem ventilação. São escassas as informações que chegam através da advogada. O governo brasileiro já accionou mecanismos de protesto oficiais. Thiago paga aparentemente o preço mais pesado que poderá advir de um maior protagonismo na coordenação da acção de protesto, de material publicado no Instagram e da recusa em aceitar o carimbo de culpa que a assinatura da nota de deportação significaria.
O pouco que se vai sabendo corre as tituleiras, detenho-me numa notícia de anteontem para ontem no Correio Braziliense, quando ainda se acreditava que ele seria deportado o mais tardar até hoje, quinta feira. Foi intencional esta minha marcação do tempo: de anteontem para ontem (…) o mais tardar até hoje, quinta feira.
Sofre o caudal noticioso as contingências de um prazo de validade extremamente fugidio, a tal ponto que anteontem e ontem se situam, amiúde, num passado remoto. A matéria noticiosa perde, nessa vertigem e nessa erosão do tempo, a sua espessura. Meia dúzia de anteontens e de ontens banalizam mediaticamente o horror de Gaza, anestesiam a indignação, tal como dois amanhãs de Thiago Ávila na solitária poderão ser dose bastante para o esquecimento geral. Até porque Greta assinou o carimbo da culpa e saiu de cena.
Aonde quero chegar é ao título da notícia do Correio Braziliense nesse de anteontem para ontem: “Thiago Ávila será deportado e está
proibido de voltar a Israel por cem anos”. Os jornais de todo o mundo foram contando que o banimento por cem anos se aplicava aos restantes activistas.
Longos dias têm cem anos e podemos imaginar Agustina pousando longamente o olhar nos quadros da amiga Maria Helena Vieira da Silva, uma e outra discorrendo sobre a sumptuosidade de um século. Cai nessa lonjura dos dias o perdão conquistado por ladrão que roube a ladrão. Mas nela não cabe a longa vida de Úrsula Iguarán, maior que o século na solidão tão povoada de Macondo.
Thiago Ávila tem 38 anos, não viverá os cem anos do calendário de Netanyhau, não contará os dias pela lei dos donos do tempo futuro em Gaza. Nem o seu carcereiro desta hora contará pelos dedos o século de chumbo prometido. Nem Netanyahu, o dono do tempo. De hoje para amanhã alguém decifrará os pergaminhos de Melquíades. Cem anos é muito tempo.