1.
Passo pelos cafés à beira das estradas sem saber se aquelas pessoas estão vivas ou mortas.
É como se não estivessem mortas embora não estejam vivas.
Há momentos em que acredito numa coisa bizarra de que me envergonho: que no nosso caminho, na nossa vida, passamos por lugares e pessoas que alguém colocou ali para não nos esquecermos que tudo isto é um mistério.
2.
Naqueles cafés perdidos de aldeia ou no meio dos caminhos, há pessoas sentadas de bengala com copos de vinho atravessados em mesas pouco limpas.
Há máquinas que assassinam moscas com uma luz que não nos sossega.
Não há nada que ali aconteça.
A bola é discutida sem paixão, a sueca é jogada com baralhos carcomidos e o dominó ajuda a matar um tempo que já morreu há muito.
3.
Nunca tenho vontade de ficar nos cafés de passagem. Talvez por achar que posso ser atraído para a luz das moscas ou ficar como eles, hipnotizados e baços, agarrados às cartas e presos pelo olhar dos que passam.
Tenho medo de ficar ali.
De morrer em vida.
De envelhecer em lugares de passagem por não ter para onde ir.
De ficar colado a uma cadeira e ser visto pelos que passam em sítios onde nada acontece, onde tudo se repete, onde os cães já nascem velhos e as pessoas já não se lembram de um dia ter sonhado.
4.
De vez em quando há um que mata outro.
Uma dívida de poucos euros.
Um arrufo do vinho.
Uma discussão de um golo anulado.
Uma nota fora de tom e alguém puxa de uma navalha ou da espingarda que guarda em casa para uma noite em que seja preciso rebentar com tudo.
De vez em quando há quem morra mesmo.
E não apareça mais no lugar onde a cadeira já se moldara ao seu peso sem peso.
De vez em quando há um novo cliente que se senta no lugar finalmente desocupado.
Quando tal sucede há agitação e um baralho novo.
Um dia diferente antes de todos voltarem ao silêncio no estranho lugar de passagem onde as moscas são assassinadas por choques elétricos e nós, para não enlouquecermos, voltamos à estrada o mais rapidamente de que somos capazes.
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