1.
As nossas crianças deixarão de poder usar os telemóveis na escola até ao 6º ano de escolaridade.
É uma boa notícia.
Com algumas perdas e muitos ganhos.
2.
O telemóvel é um objeto que se tornou um prolongamento do nosso corpo e até da nossa alma.
É como se sempre tivesse existido, um bocadinho como os cartões de multibanco.
Ver um telefone fixo é quase o mesmo que ir a um museu admirar o gótico e abrir a boca de espanto à idade das trevas.
O telemóvel tem tudo o que precisamos para ser felizes.
E tudo o que precisamos para nos afundar numa solidão em que achávamos estar acompanhados.
Arranjamos namoradas ou namorados.
Partilhamos o que não somos e o que somos.
Vemos as notícias verdadeiras e falsas.
Acompanhamos os nossos amigos no que vão fazendo ou dizendo que fazem.
Comprometemo-nos com movimentos que defendem o fim do mundo e a salvação do mundo.
Jogamos, entretemo-nos, visitamos casas, ouvimos música, temos a nossa agenda, pagamos as contas, vemos filmes e séries, estrebuchamos vísceras e ressentimento e reivindicamos a nossa felicidade ou o desejo de um dia o sermos.
Não posso viver sem o telemóvel, mas desejo ardentemente que um dia isso aconteça.
Um desejo utópico.
Sei que não acontecerá, só à força – como se aquilo que sei me fará bem, tivesse de me ser imposto.
3.
De todas as expressões que nasceram com o telemóvel, a que mais nos alterou a vida, a que mudou o paradigma das relações
humanas, foi uma pergunta que não existia antes desta nossa dependência.
“Onde estás?”
Antes do telemóvel a ninguém ocorreria fazer esta pergunta, nunca ninguém a fizera antes do telemóvel.
“Onde estás?”.
Pergunto várias vezes e perguntam-me várias vezes ao dia.
Onde estou, para onde vou, porque ainda não estou…
… parecem perguntas inócuas, mas nenhuma delas contribuiu para o respeito que devemos a nós próprios.
A liberdade também passa por aqui.
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