Num primeiro momento, o secretário regional de Turismo, Ambiente e Cultura desvalorizou os insultos com que, em plena sessão da Assembleia Legislativa da Madeira, reagiu a intervenções de duas deputadas do PS e de um deputado do Juntos Pelo Povo. De todo o prontuário de finezas que as televisões partilharam a mais comedida é aquela em que o cavalheiro responsável pela Cultura no executivo regional trata por “gaja” uma deputada. “Quem é esta gaja?”, inquiriu turisticamente a alta individualidade. Os outros galanteios são irreproduzíveis, dada a hora e a circunstância.
Eduardo Jesus acabou por pedir desculpas pelo chorrilho de sandices com que empestara a sessão. Mas antes da contrição formal ainda ensaiou, em desabafo ao Diário de Notícias do Funchal, uma tentativa de justificação do arrazoado soez, utilizando o argumento de que todas as palavras usadas “estão no dicionário”.
O mais espantoso da alegação nem é sequer o facto de ela descalçar de verosimilhança o suposto arrependimento que o pedido de desculpas formal deixaria supor. Trata-se de um juízo enquistado e sonso.
O dicionário é um vasto escaparate de lisonjas e de injúrias, ali acolhidas para que saibamos que existem, não para que as desembrulhemos como carroceiros ou miúdos traquinas.
Estão nos dicionários as palavras fuzil, escopeta, bacamarte e, ao passarmos por elas o olhar, não saímos a disparar a esmo sobre quem passa.
Estão nos dicionários as palavras cretino, néscio, tanso, pacóvio, grosseiro, mas o simples facto de nelas demorarmos a atenção não implica que as colemos numa folha de papel e as enviemos num sobrescrito, ao cuidado de um qualquer governante desprovido de subtileza e de afabilidade no exercício de funções.
E, todavia, sendo tão evidente o estrupício com que o dignitário da cultura madeirense usa o jargão político, nas avulsas vertentes turística, ambiental e cultural, e acautelando a possibilidade de o episódio fazer escola, talvez se justifique a edição de um dicionário de expressões corteses sob os bons auspícios da socióloga Rubina Leal que preside ao órgão, ainda que a ilha “esteja a viver sob duodécimos”. É que, como também lembrou a presidente da Assembleia Regional, não se pode “desvalorizar este tipo de palavras”. Alarguemos um pouco o conceito. Não devemos desvalorizar a palavra.