Las rapazas dão à vela

A rubrica diária de Fernando Alves nas manhãs da Antena 1, para ouvir e ler.

Las rapazas dão à vela

A rubrica diária de Fernando Alves nas manhãs da Antena 1, para ouvir e ler.

Entraram com 16 anos a coser velas na fábrica galega de Cuntis.

Estão agora sentadas à porta da fábrica, fitando a repórter da Voz da Galiza. Dar à vela é, também, outro modo de dizer desabafo. Dão à vela, pois, numa bolina triste. Acabaram de receber a carta de despedimento.

A fábrica, dirigida por um regatista famoso amigo do rei emérito, fechou portas. Foi deslocalizada, como se diz neste tempo de assustadoras palavras neutras. Consta que reabrirá no Sri Lanka.

Patrícia, Lori, Loliña, Luca, las rapazas não parecem tentadas a aventurar-se até às longínquas plantações de chá ou até às praias de sonho pisadas pelo capitão-mor Lourenço de Almeida, no início do século XVI.

Não sei, de vela, senão o que guardo de uma escala na Sagres entre duas ilhas dos Açores, do que vi em transmissões televisivas de regatas ou do que li sobre veleiros baleeiros em livros de Dias de Melo, cujo centenário passa hoje de modo tão discreto, tão estranhamente discreto.

Eis que nos fitam, las rapazas, Penélopes que não esperam Ulisses na notícia da Voz da Galiza.

Las rapazas é a expressão galega que me prende a esta notícia, os dicionários consultados asseguram que ela serve para nomear rapazes ou raparigas, no gume da lâmina da língua que, em galego, pode significar também rapace, aquele que se entrega à rapina. Polissemia cruel, neste contexto. Afinal, são elas a presa.

A gramática de sânscrito nunca alinhavou um fio de sonho nos seus pensamentos.

Pouco hão-de saber do Sri Lanka, las rapazas. Talvez não saibam que há dias, uma luta entre macacos no interior de uma central eléctrica em Colombo provocou um apagão geral no país. Assim haja um

gerador na fábrica onde outras mãos hão-de coser velas, a troco de um punhado de rupias cingalesas.

As companhias ferroviárias do Sri Lanka acabam de alterar os horários dos comboios, assim procurando reduzir os desastres nocturnos com elefantes selvagens. Matar elefantes é crime no Sri Lanka, mas há notícias de ataques de agricultores desesperados com a invasão das plantações. Há notícia de elefantes mortos por comerem fruta recheada com explosivos.

Nos campos de arroz do Sri Lanka, rapazes sonham, talvez, com as poucas rupias que os possam esperar na fábrica de um regatista amigo de um rei emérito, onde talvez lhes seja dado coser velas. E assim tacteiam a arte do vento e do velame, acreditando que um dia saberão distinguir o punho da amura do punho da adriça.

Texto e programa de Fernando Alves