1.
Nunca admirei ninguém da maneira como admirei Nelson Mandela.
Moldou-me a adolescência, travou a ameaça de algumas “caganças” – infelizmente não de todas –, ofereceu-me a possibilidade de acreditar numa ideia de Bem e afastou-me de uma certa tendência para o pessimismo acerca da condição humana.
Recordei muitas vezes Mandela nos anos do Papa Francisco, um e o outro eram a prova viva de que se pode marcar a História sendo o que o tempo não pede…
Sendo corajoso quando o tempo pede que se arraste os pés.
Sendo bondoso quando o tempo pede gente implacável.
Sendo otimista quando o tempo pede cinismo.
Acreditando no amor quando o tempo acredita que o amor é uma palavra para românticos e maluquinhos.
2.
Nesta semana de Jesus recordo Mandela.
Recordo o amor que tinha dentro de um corpo tantos anos aprisionado.
A sua incapacidade para odiar quem o maltratava – mesmo quando o humilhavam, mesmo quando censuravam as cartas para a sua mulher e filhos, mesmo quando o regime o proibiu de assistir ao funeral de Thembi, filho que perdeu num desastre na estrada.
3.
Nos meus dias tristes abro ao calhas o livro que junta quase trezentas cartas que enviou a Winnie durante os 10 mil dias em que esteve preso.
Nesses 27 anos nunca perdeu a esperança no amor e na família.
“Estou certo de que um dia estarei de volta a casa para viver em felicidade contigo até ao fim dos meus dias”.
Leio a frase com o incómodo de saber que o Amor pode não durar uma eternidade mesmo quando parece ser eterno.
Leio a doçura das suas palavras, o seu profundo amor, e entristeço por saber que aquela relação não resistiria à sua libertação e aos longos anos em que não se puderam ver ou tocar.
4.
“Sinto-me seco como o deserto. Quando me escreves é como se tivessem chegado as chuvas da Primavera e sempre que te escrevo, sinto um calor interior que me faz esquecer todos os meus problemas. Fico cheio de amor”.
E nós com ele.
Sentimos amor e esperança.
Sentimos que tudo depende de nós.
Sentimos também que estamos aquém, que aquela figura não viveu no nosso comprimento de onda, era uma outra coisa.
O que aliás, Mandela sempre rejeitou.
Já em liberdade, depois de promover a união de brancos e pretos, a união de quem se odiava profundamente, o perdão dos que o encarceram uma vida, respondeu numa entrevista:
“Um assunto que me preocupava profundamente na cadeia era a falsa imagem que estava a ser projetada de mim para o exterior, a ideia de ser um santo. Nunca fui um santo, nem na definição terrena de santo – sou um pecador que continua a tentar melhorar”.
É maravilhoso, não achas?
Um pecador que continua a tentar melhorar, disse-nos Mandela.
Se ele o diz, é uma boa notícia.
É alguma coisa a que nos podemos comprometer também…
… não desistirmos de tentar melhorar um bocadinho todos os dias.
Já é alguma coisa e está ao nosso alcance.
E acreditar no Amor.
Sem vergonha que nos achem pueris e pirosos.
Acreditar convictamente no Amor.
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