1.
Conheci Belmiro de Azevedo.
No seu gabinete tinha um mapa do país com pontinhos vermelhos espalhados como se fossem aldeias e cidades.
Era quase um jogo, um modo de tornar visíveis os seus sonhos, uma bússola do que ia construindo nos seus dias.
2.
Quando o conheci, em 1999, vinte e cinco anos após o 25 de Abril, os filhos eram tão jovens quanto eu – ninguém falava de sucessão e Belmiro pareceu-me eterno.
A Sonae era uma empresa que se borrifava para os jogos de poder e os equilíbrios no Terreiro do Paço ou em São Bento.
Estavam unidos por uma espécie de pacto comum, uma vontade de dependerem apenas da qualidade do seu trabalho e de um profissionalismo à prova de bala.
O Homem Sonae, escreveu Belmiro.
E a Mulher Sonae, completaram Paulo e Cláudia Azevedo, seus filhos e sucessores
3.
O Continente prepara-se para comemorar em dezembro os primeiros 40 anos de vida.
Belmiro de Azevedo já partiu.
A sua mulher, Maria Carvalhais, farmacêutica e uma líder na sombra, lembra-se certamente da inauguração da primeira grande loja em Matosinhos.
Das excursões ao norte de milhares de portugueses que agora não tinham de ir a Espanha para comprar caramelos e escolher num único sítio quase todas as coisas que se podiam comprar no mundo.
4.
Lembro-me dos sacos de plástico que trazíamos das lojas.
Dos carrinhos de compras com gente muito pobre que agora tinha a possibilidade de ir ao lugar dos ricos, de poder comprar a preços mais baixos.
Dizia-se que não ia ser um sucesso.
Que não fazia sentido Portugal ter grandes superfícies, que o entusiasmo inicial era mesmo isso… inicial e condenado a perder fulgor.
Só que não.
O Continente tornou-se uma marca imbatível.
Com centenas e centenas de lojas.
Milhares de trabalhadores.
Milhões de clientes.
E, ao contrário de todas as outras empresas de distribuição, verdadeiramente portuguesa.
5.
ma empresa que continua a não querer depender dos poderes.
Que faz a sua parte sem desejar comunicar que o faz – como na pandemia em que uma percentagem importante dos ventiladores chegou a tempo por ação silenciosa destes tipos chatos por serem demasiado independentes, por serem demasiado perfeitinhos, por serem demasiado fora do rame-rame
empresarial português, por serem demasiado focados no negócio, por serem demasiado ciosos da sua qualidade.
O Continente, marca das marcas da Sonae, faz 40 anos.
E tenho pena que não tenhas visto os pontinhos no gabinete de Belmiro de Azevedo. Dos seus países e aldeias imaginadas em sonhos que tornou reais.
Quando oiço críticas à distribuição, algumas justas outras nem tanto, penso sempre que o país seria muito pior se aquele homem não tivesse tido a coragem de pensar em grande.
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