Entrevistado ontem pela CNN – canal que, entretanto, vai acolher um seu programa semanal de comentário político – António José Seguro admitiu estar em fase de ponderação no que respeita a uma entreaberta possibilidade de candidatura à Presidência da República.
Este estado de ponderação resulta de um imponderável: uma declaração avulsa de Pedro Nuno Santos acrescentou o seu nome a uma lista de outros, de Centeno a Vitorino. Seguro fez ontem uma precisão: ele aceitou dar a entrevista antes da simpática referência de Pedro Nuno Santos, quando o tema, como ele diz, “não estava em cima da mesa”. Entretanto (é de novo Seguro usando a expressão a todo o tempo relacionada com a arrumação noticiosa da ordem do dia) o tema “está em cima da mesa”.
Podemos deduzir que, não tivesse Pedro Nuno Santos (com quem, aliás, Seguro diz não ter trocado uma palavra nos últimos dez anos) deixado o seu nome noutro lugar que não em cima da mesa) estaria o novo presumível candidato prioritariamente dedicado ao azeite e ao vinho, nos intervalos de um doutoramento em curso? Não, não podemos. Porque Seguro não é insensível à situação do país que, aliás, muito o preocupa, tal a diminuição da qualidade da nossa democracia. Por tudo isto, António José Seguro pondera.
Não está sozinho. Outros mergulham nesse limbo meditativo, não perdendo de vista um preciso calendário.
Nesse mergulho minucioso, que avaliam? A bondade das sondagens? Os apoios institucionais e a mobilização de máquinas de campanha? A volúpia das ruas e a tabela das marés, tendo em conta que um almirante mergulhou em apneia por estes dias?
Tendo uma armação de repórteres pela proa, todos querendo um sim ou um não, respondeu o almirante a essa pergunta explicando que não responderia a essa pergunta porque não pode “dizer sim”. Ora, podendo dizer não, não disse. Antes submarinou o sim, aguardando o momento em que o sim possa emergir. O sim é, por agora, um periscópio submerso. Mas o almirante deixou um arpão espetado em cima da mesa, porque há mar e mar: “Que ninguém venha condicionar a minha liberdade”, disse ele. Siga a Marinha.
Centeno não descarta, embora tenha dito há dias à RTP3, a respeito de eventual candidatura: “Não é o foco do meu pensamento, neste momento”.
E António Vitorino? Admite pensar, mas “ainda não é o tempo”.
Marques Mendes declara estar “mais próximo de tomar uma decisão” que anunciará “no calendário preciso”. Quão mais perto? Mais perto ao nível do calendário ou do argumentário?
Uma considerável tribo de analistas procura traduzir, numa perícia capaz de aliar rigor e golpe de asa, as várias nuances da palavra “ponderação”. Em algum momento um ténue fio de luz poderá derramar-se dos biombos. Eis a apetecida vertigem do imponderável.
Dificilmente escutaremos, entretanto, uma declaração que pudesse casar com os versos de Ferreira Gullar, cantados por Adriana Calcanhoto: “Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira (…) uma parte de mim almoça e janta, outra se espanta”.
O que está em cima da mesa é a mais táctica circunspecção.