1.
Há uns trinta anos, na unidade de pediatria do Hospital Santa Maria, os mais respeitados médicos foram chamados para deslindar o estranho caso de um menino que tinha uma cara peculiar.
Estou a contar-te como me contou o distinto Professor José Costa Trindade, quando aquela criança deu à costa na enfermaria todos concluíram que jamais dera entrada naquele serviço uma criança tão feia.
O rapaz, de três ou quatro anos, tinha febre. E os sábios decretaram que aquele caso não poderia sair dali sem um estudo,
todos os testes deveriam ser feitos, da ponta dos dedos dos pés até à ponta do cabelo do pobre desgraçado.
Uma excitação enorme no serviço, brilhos nos olhos dos médicos para quem um caso raro é um bombom, mas a desilusão bateu à porta no instante em que viram o pai na hora das visitas.
As suas trombas eram iguais às do filho, sem tirar nem pôr.
O único mal do rapaz era, afinal, ser igual ao pai.
2.
Tudo isto para te falar de Cesare Lombroso, um psiquiatra e antropólogo criminal italiano.
No princípio do século XX, já velho, publicou as suas conclusões e gerou uma enorme polémica na comunidade científica – entre os aplausos e a pateada ninguém ficou indiferente.
A sua teoria era absurda, mas nos tempos que correm, tendo em conta a loucura do que por aí vemos, é um gosto recordar esse psiquiatra maldito.
3.
E que teoria apresentou Lombroso?
Que havia seres humanos naturalmente propensos ao mal e ao mundo do crime.
Se havia sujeitos que nasciam com essa marca, então isso poderia ser comprovado medindo-lhes a caixa craniana e analisando a sua fisionomia.
Em vários países europeus e nos Estados Unidos foram feitas experiências em prisões e hospícios. E centenas de artigos e livros foram publicados.
Se o mal poderia ser visto a olho nu ou medido, então uma grande parte dos crimes seriam potencialmente travados antes de acontecerem.
Os que obedecessem aos critérios eram retirados da circulação e enjaulados mesmo não tendo feito nada de mal…
…ainda.
O mal era cortado de raiz.
4.
A teoria teve grandes e distintos adeptos.
Até o nosso Júlio de Matos se entusiasmou, mas a teoria perdeu-se no esquecimento.
Confesso-te que nestas últimas semanas tenho voltado a pensar neste psiquiatra italiano.
Vendo os “cromos” que têm andado de boca em boca, talvez a solução seja começar a medir caixas cranianas para os proteger de si próprios – seria um serviço que lhes faríamos.
Lombroso é que a sabia bem.