1.
A Maria e o António estão a morrer.
Têm poucos dias de vida, talvez semanas.
Gostam de ouvir e de ler o Postal do Dia.
Esperam pela hora certa e se esta lhes escapa leem depois. Umas vezes concordam, outras não.
Disseram-me isso, um e o outro.
2.
A Maria não conhece o António.
Ela está em Lisboa e ele no Porto.
Estão de partida, mas têm a sorte de não estar sozinhos.
Recebem visitas, família, lágrimas às escondidas.
Penso neles agora que escrevo.
Agora que te estou a falar.
Nos que sabem que vão partir.
Nos que pela primeira vez se preparam conscientes para uma última viagem sem ter de fazer mala alguma – não precisam de juntar as meias dispersas, não precisam de inventar mais espaço para que caiba aquele vestido ou aquela camisa que não se sabe se será necessária.
Não precisam da malinha das necessidades, de levar a escova de dentes, o perfume ou o desodorizante.
Nada de nada.
3.
Falo para eles e para elas que se estão a despedir.
Os que estão conscientes que chegou o momento.
Os que fazem contas de cabeça aos telefonemas que faltam, ao que fica por dizer, aos erros e coisas bonitas, às viagens, aos grandes amores, aos amores que não se cumpriram.
Aos que choram à noite para que ninguém veja.
Aos que dizem à família que está tudo bem ou tudo mal, aos que desesperam ou aos que sorriem para esse momento, apaziguados, resolvidos, cansados também.
4.
Talvez seja um postal triste.
Talvez para alguns a morte ou falar da morte seja um tabu, uma palavra maldita, uma convocação de maus espíritos.
Mas não posso deixar de o fazer.
Pela Maria e pelo António.
Ela muito jovem e ele com quase 70 anos.
E tantos outros que agora me ouvem.
Com medo e esperança.
Com fé e sem ela.
Revoltados ou com coragem.
É para eles e para elas este postal.
Um postal de vida, um abraço de palavras, uma força que gostaria que chegasse à tua mesa de cabeceira e pudesse ficar contigo.
Um postal de esperança que é uma palavra sempre agarrada à vida.
Um apelo a que não a percas.
É o teu bilhete para a outra margem.
Não é feito de papel, mas estará refletido nos teus olhos quando o barqueiro to pedir.
Uns olhos que já não teremos possibilidade de ver aqui, mas que serão o que precisas para ver o que nós ainda não somos capazes.
Texto e programa de Luís Osório
Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, YouTube e RTP Play.