1.
Meu caro Florentino Luís,
Tens 25 anos de idade e já passaste por muito.
Não sei tudo, mas talvez saiba o suficiente.
Sei que nasceste no Lobito e que a casa dos teus pais ficava perto da Baía. Sei que passaram dificuldades, que o teu pai teve medo da guerra, das bombas que rebentavam nos ouvidos da casa, da tua mãe agarrada a ti, bebé de colo, e aos teus irmãos.
Sei que vieram para Portugal e que não olharam para trás.
Vieram para Massamá, uma espécie de ilha sem água por todos os lados. Um lugar onde tiveram de comer o pão que o diabo amassou, mas onde recomeçaram, o lugar onde cresceste, o único a que chamaste casa.
2.
És um miúdo especial.
Bem, já tens 25 anos, não és bem um miúdo, mas o teu sorriso mantém-se igual ao que sempre foi, o mesmo com que jogavas à bola na Tercena ou à porta da casa com amigos do bairro.
Eras protegido pelo mano mais velho, o Izequiel.
E o Benny também jogava à bola, pelas minhas contas o segundo dos teus irmãos só tinha mais um ano que tu.
Roubavas as bolas como nenhum outro – continuas a roubar as bolas como nenhum outro, mas agora o teu campo é o da Liga dos Campeões, a prova das provas onde, até ver, não há um único jogador que roube mais bolas do que tu.
3.
Sei que tens sofrido por não teres sido convocado uma única vez para a seleção nacional portuguesa. A seleção do país que é o teu, o único que te lembras de ser o teu.
E esta última convocatória, a tua ausência nesta última chamada do selecionador Roberto Martinez, levou-me a escrever este postal.
Qual a razão, perguntas-te muitas vezes.
Não sei, Florentino.
Só posso especular.
E nas minhas especulações não está a circunstância de não teres como empresário o grande empresário. Acredito que é uma efabulação, que não pode ser essa a razão.
Ou quero crer que não seja essa a razão.
4.
Querido Florentino Luís.
Tu és especial, não pareces pertencer ao mundo do futebol.
Não tens tatuagens.
Não sais à noite.
És crente em Deus e praticante – vi as imagens do teu batismo em 2019, do teu esforço para não chorares.
Tens duas filhas e construíste uma família discreta. Uma família feliz que não deseja ser fotografada, aplaudida ou bajulada. Queres apenas ser feliz entre as tuas quatro paredes e os teus sonhos, os vossos sonhos.
Sei que falas muito depressa, como se tivesses pressa de acabar a frase e tornar para o teu silêncio.
Sei que dizes aos que amas que os amas.
Na tua boca o “amo-te” é uma palavra muitas vezes dita, não tens medo de ser piroso ou fora de tom ou que não te levem a sério.
Por que raio não és convocado para a seleção nacional, Florentino?
Por seres demasiadamente boa pessoa?
Também não faz sentido.
Por nunca entrares em polémicas ou por alguma coisa que me ultrapassa?
Diz-me que eu não conto a ninguém.
Texto e programa de Luís Osório
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