1.
A Ana é a pessoa por quem fui escolhido e a mulher que escolhi para o resto da minha vida.
Não sabemos nunca se o resto é para sempre. Várias vezes achámos que não, somos os dois solitários, os dois um vulcão agitado, os dois opostos em tantas e tantas coisas, os dois inquietos, os dois nem sempre felizes e com atração para a falha.
Mas também apaixonados pelo outro nem sempre da forma como os livros nos ensinam. Estamos juntos há 12 anos e não há ninguém que admire mais. A Ana é uma artista. Os seus olhos veem o que eu não consigo, os seus quadros são tocados por uma magia que não parece ser daqui, os doentes viram a cabeça quando ouvem a sua voz no corredor, todos respiramos fundo e sorrimos quando ela mete as chaves para abrir a porta de casa.
2.
A Ana é médica.
E encontrou o lugar perfeito para estar.
O lugar dos desvalidos, dos que não têm para onde ir, dos que vivem os seus últimos dias, dos que estão no fundo dos fundos.
Em mim a defesa dos excluídos é real, mas teórica.
Na Ana a defesa dos excluídos é real e prática.
Onde me agonio com o cheiro, ela não o sente.
Onde encontro forma de me proteger com palavras mansas, ela abraça.
3.
A Ana é a mãe dos meus filhos mais novos – o Afonso e a Benedita, dois vulcões potenciados pela lava permanente do pai e da mãe.
São os nossos amores ou estão para lá disso.
Tem também a Leonor e o João, meus filhos de outra maneira.
Nela tudo é combate.
Não descansa, não dá folga à exigência, à responsabilidade e ao cansaço que nem sempre a poupa.
Adormece rapidamente.
Continua a acordar assim que ouve um filho a virar-se na cama.
Acredita em Deus, sabe todas as orações, gosta de cantar e preocupa-se comigo…
… com o que como, com o que bebo, com o que escrevo, com o que penso, com os projetos por fazer, feitos ou imaginados.
4.
Quis escrever este postal para te dizer o quanto me orgulhei da homenagem que lhe fizeram na Santa Casa da Misericórdia.
Uma homenagem pensada pela Irmandade da Misericórdia com a presença do provedor da Santa Casa e do provedor da Irmandade.
O quanto me orgulhei por ter visto o seu maravilhoso trabalho, os seus quadros e lençóis, nas paredes e no espaço mítico de São Roque – ainda lá estão se quiseres ver.
O quanto me orgulhei com as palavras de José Souto de Moura, ex-Procurador Geral da República.
O quanto me orgulhei por ver os nossos pequeninos felizes com a felicidade da mãe.
Uma mãe talentosa, generosa e bem melhor do que eu.
Que nunca duvidem disso.
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