1.
Rui Borges nunca foi um grande jogador.
E nunca em Mirandela os seus amigos imaginaram que um dia pudesse ser um grande treinador – não por duvidarem da sua qualidade, mas por ser filho de Trás-os-Montes, lugar demasiado distante, demasiado frio no Inverno e quente no Verão, demasiado rude.
Ainda por cima, tem amor à terra, agarra-se às origens, volta aos amigos de sempre que com ele jogavam à bola no Parque Cabral, mergulhavam no Tua e andavam de baile em baile a ver como safavam a febre adolescente.
Em Mirandela, os que têm sucesso são os que fogem sem olhar para trás, os que falando da infância e se queixando das saudades, raramente voltam.
Quem regressa, quem não suporta a distância da terra mais do que um mês, muito dificilmente é aceite entre as elites da política, das empresas, do futebol.
2.
E queres mais um impedimento?
Rui Borges tem o avô tatuado no braço.
O homem da sua vida.
Sábio na sua humildade.
Sério, trabalhador e doido pelo neto.
Era sapateiro no centro de Mirandela.
Ensinou o pequeno Rui a arranjar meias-solas e a nunca deitar nada fora que não pudesse ter arranjo.
3.
O avô, pai da mãe de Rui Borges, chamava-se José.
José Pedro.
Que já depois do 25 de Abril, um ano após a morte de Sá Carneiro, viu a filha Graça dar-lhe a maior felicidade da sua vida: um bebé que um dia haveria de tatuá-lo no braço.
Tatuar a memória de um avô sapateiro.
Tudo eram impedimentos.
A origem, as saudades permanentes, a distância.
Mas nenhum deles foi forte o suficiente para que Rui Borges não tivesse conseguido atingir o que jamais imaginara ser possível tão cedo.
4.
Rui é um filho da liberdade.
Casou com uma colega de turma da Escola Secundária de Mirandela.
Nele nada é deslumbre.
Vedetismo.
Arrogância.
É amigo dos seus jogadores.
Joga com eles às cartas como se estivesse num café com amigos numa noite de neve e neblina.
5.
Usa sempre o mesmo relógio.
Um Cásio que comprou perto do Parque do Império, quando as vacas eram magras e o dinheiro não podia deixar de ser bem gasto.
Gosto de Rui Borges, sendo eu um benfiquista.
Imagino que um dia ainda conversaremos à volta de uma boa alheira… como é óbvio… de Mirandela.
Perguntar-lhe-ei pelo avô Zé Pedro.
Pela mãe Graça.
Pelos golos no Parque Cabral.
E pelos mergulhos no Rio Tua.
E farei questão de saber as horas para ver os seus olhos refletidos num relógio que nele serve como bússola para que nunca se perca.
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