Como serão os sapatos daquele por quem sairá fumo branco, talvez hoje, talvez amanhã ou depois de amanhã? Mais do que sotainas e mozetas, barretes ou solidéus, mais do que o modo como os cardeais se protegem do vento de Roma, eu quereria ver os sapatos cardinalícios, o modo como cada um dos 133 cardeais pisa o chão da Sistina. Mais do que o seu olhar estremecendo sob a esplendorosa iconografia da abóbada, eu espero o modo como cada qual, filipino, ganês, italiano, português, firma o passo, o que os seus sapatos dizem de si. Que pó traz dos caminhos.
Percebo as palavras de José Tolentino de Mendonça. “O que te peço, Senhor, é a graça de ser. Não te peço sapatos, peço-te caminhos”. Mas quero ver-lhes os sapatos, se os trazem imaculados, reluzentes de graxa, ou dados ao uso das ruas. Mais me ocorre perguntar: quantos dos outros 132 terão lido estas ou outras palavras de Tolentino, terão calçado as suas palavras?
Isso espero, também. Que o tenham lido. Que tenham sido tocados pela ideia de que a poesia nos prepara para a busca de Deus. Desculpai o meu atrevimento agnóstico. Mas interessa-me o modo como o próximo escolhido chegará à varanda, aguardo as primeiras palavras que dirá.
Em 2013, o meu coração agnóstico esperava Maradiaga, o hondurenho que enfrentou os traficantes, mas fiquei rendido a Bergoglio. Pelos sapatos e pelas palavras.
Agora, leio num jornal digital do Vaticano uma breve entrevista com o arcebispo emérito de Tegucigalpa. Maradiaga recorda momentos altos de uma longa amizade com o argentino e toca nesse preciso ponto da austeridade nas roupas e nos sapatos, nos transportes que escolhida. E recorda o Papa que se emocionou em plena praça de São Pedro “para se aproximar de alguém que estava com o rosto cheio de tumores e lhe dar um beijo”.
E o hondurenho lembra o momento em que Francisco acabou com a designação Esmolaria Apostólica e introduziu o Dicastério para o qual nomeou o cardeal Krayevski a quem disse: “O seu trabalho não começa às 9 da manhã, começa às 10 da noite debaixo das pontes, com os que dormem na calçada”. Krayevski lembra a criação de chuveiros para os mendigos das ruas. E isso me traz de volta o sem abrigo que há dias recordou a um repórter o dia em que o Papa o abraçou. Quem espera, ele, que saia do conclave? Ele responde: “Um Papa bom”. Sábias palavras, elas respondem a seu modo ao desafio de Francisco a jovens que o escutavam, há dez anos, na universidade de Manila: “Converte-te em mendigo, aprende a chorar. Ao mundo de hoje, falta-lhe chorar”.
O meu coração agnóstico espera Tacle, ou talvez Zuppi, claro que vibraria com a possibilidade, quem sabe remota, quem sabe não, de um Papa poeta, mas rende-se à ambição maior expressa pelo sem abrigo de Roma.