Ontem à noite, Martin Anselmi, o jovem treinador do Futebol Club do Porto, reenviou-me a um poema de Manuel da Fonseca que gosto muito de revisitar num inesquecível registo com a voz de Mário Viegas.
A equipa treinada pelo argentino tinha vencido um jogo difícil no Estoril e ele disse aos jornalistas: “Tarde de domingo, sol e vitória. Isto é futebol, faz-me lembrar quando era miúdo e ia ver os jogos da minha equipa”.
Isso há-de ter sido ainda em Rosário onde nasceram, também, Menotti e Bielsa e outros treinadores de prestígio. Em Rosário nasceram ainda o imenso Messi, o genial Di Maria e o grande saxofonista Gato Barbieri, que era de outros futebóis.
Anselmi é licenciado em jornalismo, mas não chegou a exercer o ofício, porque o futebol se interpôs na sua vida. Essa proximidade terá, porventura, aguçado nele a argúcia que lhe permitiu, depois de confrontado por um jornalista com uma longa formulação de lugares comuns, respondeu: “Qual é a pergunta?”
“Tarde de domingo, sol e vitória. Isto é futebol”, disse ontem o argentino, celebrando os dias mágicos.
Escuto isto e regresso aos antigos domingos que correm no longo e dorido poema de Manuel da Fonseca. Depois de nos comover com a evocação de Mariazinha Santos, ele chama para os versos o amigo que era pintor e que lhe contou, numa noite de bebedeira: “Olha, quando chega domingo, não há nada melhor que ir para o futebol”. E o pintor continua ao ouvido do amigo poeta: “No entanto, conheço um homem/ que ia para a beira do rio/ e passava um dia inteirinho de domingo/ segurando uma cana donde caía um fio para a água. / Um dia pescou um peixe / e nunca mais lá voltou”.
Estamos nisto e a equipa de futebol do Beira Mar regressa da Guarda, depois de uma vitória importante. Podemos imaginar um ambiente de euforia no autocarro que, entretanto, pára numa estação de serviço. Regressados ao autocarro os do Beira Mar não reparam que falta um dos companheiros, o lateral David Santos. Não era domingo, mas tal como no Poema de Domingo de Gedeão, as ruas pareciam mais largas e tudo se resolveu a contento. A notícia de hoje, na última página do jornal A Bola, não revela em que se entreteve o defesa David Santos, durante a longa espera na área de serviço da A 25.
Já Martin Anselmi, nos domingos sem sol e sem vitória, imagino que deixe escapar os pensamentos para a linha de água, relembrando os navios que sobem o rio Paraná. O saxofone tenor de Gato Barbieri chora baixinho. Mariazinha Santos sai do poema de Manuel da Fonseca e vai, com uma amiga, a uma matinée num cinema de bairro.
Texto e programa de Fernando Alves
